Será o Nomadismo Digital uma Oportunidade?

Perante a dinâmica deste mercado levanta-se questões: será que a África, e especialmente o meu país, São Tomé e Príncipe, estão atentos à enorme oportunidade para impulsionar a economia local e entrar, ainda que de forma subtil, no mercado da economia digital potencializando os nossos recursos?

A Covid-19 identificou diversas lacunas no mundo, na economia, na sociedade, de modo geral, nas nossas vidas e consequentemente apontou caminhos e revolucionou o mercado de trabalho.

Uma das grandes mudanças no mercado de trabalho tem a ver com a possibilidade de trabalhar remotamente, essa mudança foi sempre adiada e levou algum tempo a ser uma realidade. Durante e após pandemia, a maioria das empresas tecnológicas adotaram modelo hybrid (trabalhar 40% em casa e 60% no escritório, ou vice-versa) e full remote (trabalhar 100% a partir de casa). O trabalho full remote tem crescido exponencialmente e beneficiado as pequenas e médias cidades que são os destinos turísticos por excelência, onde os profissionais aproveitam para equilibrar o trabalho e o lazer, ou seja, trabalham, relaxam e ao mesmo tempo exploram a cultura dos locais onde exercem as suas atividades, a isto chama-se nomadismo digital. O perfeito equilíbrio entre o trabalho e o lazer, por outras palavras, a combinação perfeita entre turismo e as Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC).

Segundo alguns dados estatísticos (twoticketsanywhere.com), até março de 2022 havia no mundo cerca de 35 milhões de nómadas digitais. Os Estados Unidos de América é o país com o maior número em 2022, cerca de 15.5 milhões. A nível global é de destacar que 46% dos nómadas digitais são trabalhadores por conta própria e 35% trabalhadores por conta de outrem. O nomadismo digital tem contribuído anualmente com cerca de 787 bilhões de dólares para a economia global, sendo que a média salarial anual ronda os 120.512 dólares e 69% do income anual está entre 50 e 250 mil dólares. Este valor é uma fatia significativa, considerando que os profissionais alegam que um dos motivos para adaptação desse estilo de vida é a fuga ao alto custo de vida nos seus países de origem.

É interessante relacionar a dinâmica deste mercado com os destinos de preferência e os moldes como operam de modo que possamos refletir o quão seria benéfico para alguns destinos como o caso de São Tome e Príncipe (STP). Ora vejamos, a cidade mais visitada pelos nómadas no ano passado foi Lisboa, igualmente podemos constatar que o top 5 das cidades mais procuradas são: Chiang Mai, Bali, México, Lisboa e Medelim. Os países de proveniências desses profissionais são: Estados Unidos da América, Reino Unido, Rússia, Canadá e Alemanha. Estes escolhem como alojamento os Airbnb, Hostels, Casas partilhadas e Hotéis. É notório que nenhum dos destinos indicados fazem parte da África, mas todos eles são apelativos pelo clima, custo de vida e garantia da rede de internet.

Observo com alguma estranheza que os Governos africanos, com exceção de alguns, como é o caso do Governo cabo-verdiano, não atribuírem o real destaque e preponderância necessária as TIC como alavanca para dinamização da economia no Continente. Considerando que o presente e o futuro passam pela economia digital, e a velocidade como acrescenta valores, dinamiza o mercado e abre-o ao mundo é inquestionável que poderá ser uma oportunidade para qualquer país que nela possa apostar. Estou certo de que este poderá ser um escape acertado dado às nossas vantagens climáticas, a localização geográfica, acalmia da sociedade, dentre outros fatores.

Há bem pouco tempo escutei o Vice-Primeiro Ministro de Cabo Verde a piscar os olhos aos nómadas digitais como forma de os atrair para Cabo-Verde, num claro convite para aproveitamento do potencial deste mercado emergente, dando sequência a ambição do seu Governo em transformar o Cabo-Verde num hub tecnológico em África.

Perante a dinâmica deste mercado levanta-se questões: será que a África, e especialmente o meu país, São Tomé e Príncipe, estão atentos à enorme oportunidade para impulsionar a economia local e entrar, ainda que de forma subtil, no mercado da economia digital potencializando os nossos recursos? De que forma STP poderá tirar as reais vantagens da localização privilegiada, do clima, da população extremamente jovem e um ambiente, salvo a trágica ocorrência de 25 de Novembro último, habitualmente, de total tranquilidade? A África poderia ou não absorver os milhões de euros que flutuam e circulam sem destino decorrente deste mercado emergente? Será que os projetos da zona franca e cidades económica, modelos de negócio amplamente divulgados e explorado resolverão à curto médio prazo os problemas da viabilidade económica dos africanos em detrimento de uma aposta mais séria e arrojada na TIC?

Na minha modesta opinião, a resposta é sim, pois podem e devem começar a colocar na ordem do dia um roadmap a curto médio prazo cujo objetivo é atrair os nómadas digitais onde os custos de investimentos não requerem somas avultadas e nem logísticas complexas, e tão pouco recursos humanos extremamente preparados, mas obviamente requer planeamento e políticas claras.

Questiona-se como? Com investimentos na ligação da internet de alta velocidade e na energia. No caso de STP, seria ideal aproveitar o Projeto em curso do Banco Mundial cujo objetivo é upgrade da conectividade internacional (por Africa Coast to Europe (ACE) Submarine Cable System ou pela Gulf of Guinea Cable System)  de São Tomé e Príncipe e a conectividade doméstica entre a Ilha de São Tomé e a Ilha do Príncipe por meios de cabos submarino de fibra óptica, e assim dando um salto qualitativo na rede movel 4G e implementar a rede móvel 5G. Investir no modelo de smart city com cobertura 50% a 100% em energias alternativas à medida que se vai reforçando as infraestruturas energéticas a nível nacional. Obviamente que isto requerer também alguma atenção especial ao nosso precário sistema de saúde, garantido o mínimo aos utentes habituais e os que escolherem o nosso país para exercer as suas atividades.

Ainda sobre os investimentos que ajudarão desenvolver a economia digital no mercado africano, temos alguns projetos promissores propostos recentemente pela Microsoft e a Visa que ao serem implementados catapultará o Continente para este mercado. A Microsoft pretende no seu projeto garantir o acesso a Internet por satélites a mais de 5 milhões de pessoas no continente africano, enquanto o CEO da Visa, Alfred Kelly, anunciou também investimento de 1 bilhão de dólares para promover a inclusão financeira com implementação das TIC que ajudará os consumidores africanos a efetuarem as transações digitais.

Infelizmente, reparo que as megaestruturas governativas no nosso Continente, pouco ou nada fazem referências sobre as políticas em Tecnologias de Informação e Comunicação. Assiste-se Ministérios para todos os gostos e ocultam-se de forma quase que propositada ou talvez por falta de ambição e alcance o que se refere a modernização e desburocratização dos serviços.

Os Governos africanos, especialmente de São Tomé e Príncipe, deviam mesmo dentro das imensas dificuldades, serem mais ousados e ambiciosos em relação as políticas de adoção as TIC, tirando as inúmeras vantagens que esta comporta. Atrair os nómadas digitais, trará vantagens aos países, nomeadamente no aproveitamento do know-how desses profissionais em diversas áreas para formarem os nossos jovens, trocarem experiências, ministrar workshops, entre outros tipos de atividades que poderão ser benéficas. É preciso estarmos cientes que nenhum país africano será economicamente viável sem as TIC, uma vez que as tecnologias estão presentes no ensino, na saúde, no turismo, transições energéticas, na transformação digital, na inclusão social, etc. Definir políticas, projetar crescimento ignorando a economia digital será sempre um exercício de governação cosmético. Como africano compreendo que a África enfrenta inúmeras dificuldades e que tudo é prioritário, mas é preciso ousar, equacionar, e priorizar para “arrebatar” alguns milhões de dólares que deambulam sem destino para podermos atacar outras premências.

Sou de uma geração que cresceu nos ventos da zona franca, mergulhado na esperança do petróleo e encalhado no porto de águas profundas na esperança de um dia ver uma educação de qualidade e aposta progressista nas TIC. Assim sendo, termino afirmando que para todos os países africanos, em particular STP, o momento é agora, as políticas de desburocratização, modernização dos serviços e adoção das TIC devem ser prioridade das prioridades. Espero que esta pequena reflexão possa despertar o interesse e atenção dos mais distraídos.