Propósito

Cristino Mandinga

Desenvolvimento Agrícola e Rural e o Papel da Agricultura na Economia Santomense

São Tomé e Príncipe, é um pequeno estado insular da Africa Ocidental com 1001Km2, que tem vindo a perder território com a subida do nível da água do mar. Com pouco mais de 200 mil habitantes e uma média de idade a volta dos 20 anos, e atendendo que é um país com poucos recursos, remete-nos para uma realidade de elevado índice de desemprego jovem, incerteza no futuro e a incapacidade do estado em resolver os problemas socioeconómicos de uma população crescente e que já tem sido, também, afetada pelas consequências das alterações climáticas.

René Tavares

A agricultura, porém, que muitas vezes é referida como a solução, continua décadas depois da independência, a ser feita de forma artesanal, sem uma estratégia consensual e de continuidade. Assim, o sector agrícola permanece pouco atrativo e insuficientemente fortificado para ir resolvendo o problema específico da pobreza rural que aflige as famílias, que dependem quase exclusivamente dos recursos da terra e sendo igualmente incapaz de promover o crescimento duma economia já de si com algumas, muitas, vulnerabilidades.

Todavia, a agricultura é único sector exportador de produtos do país, e regista alguma nova dinâmica como é o caso da exportação do óleo de palma que já ultrapassou o cacau em volume, factualmente, contudo, sem que se compreenda com clareza se essa “nova dinâmica” se articula com a visão de marca-país assente na sustentabilidade que se pretende projectar.

A nossa economia, desde a época colonial, teve sempre por base a exploração agrícola, tendo o país passado por vários ciclos agrícolas (o da cana do açúcar, do café e do cacau) todos eles bem-sucedidos no arranque, do ponto de vista exclusivo da produção. A nossa economia foi e continua a ser uma economia fundamentalmente extractiva.

O novo ciclo que se pretende baseado na promoção de cadeias agrícolas de alto valor, tem de marcar um ponto de viragem na forma como temos concebido e feito agricultura até ao momento e deve enquadrar-se na estratégia mais ampla de promoção do desenvolvimento sustentável, embora o caminho ainda seja longo de percorrer.

Na última década assiste-se a uma tendência política de modificação e reestruturação económica do país, que visa torná-lo num prestador de serviços, nomeadamente serviços ligados ao turismo, ao transporte e logística, aproveitando e potenciando a posição geoestratégica do País. Esta reestruturação deve ser vista no sentido da diversificação da economia, adicionando outras bases a base da economia nacional, fortalecendo-a, isto é, sem abandonar o sector primário, porque este deve beneficiar do crescimento da indústria turística, como, espera-se, venha a ser, a médio longo prazo, setor-guia para o inevitável efeito de arrastamento, e deve também aproveitar a logística (a ser) instalada no país como estímulo a internacionalização, que é um dos problemas críticos do potencial para o desenvolvimento da agricultura.

A nível económico o sector primário representa 7.3% do PIB nacional cuja maior percentagem, 69.2%, é referente ao sector dos serviços (INE, 2020). É importante clarificar que mais importante do que a percentagem deste sector no nosso PIB é o seu papel que passa por garantir segurança e soberania alimentares, passa pela atração de investimento direto estrangeiro, com impacto na balança comercial e no emprego e que passa também por criação de uma visão também assente na ideia da sustentabilidade. O outro papel fulcral deste sector, que claramente identificamos nos países desenvolvidos, é o do fornecimento de matéria-prima, primeira e principal condição para qualquer arranque de um qualquer plano de industrialização. E é por isso, que a agricultura é o sector mais eficiente na redução da pobreza, pois, o seu desenvolvimento estimula outros sectores, nomeadamente, os transformadores, os artesanais, os semi-industriais ou os industriais.

Convém, porém, deixar claro que a agricultura não vai ser o motor da nossa economia, pela dimensão do país e pelas limitações, que se impõem a qualquer sistema produtivo que se queira instalar localmente, de salvaguarda da nossa própria sustentabilidade e o alinhamento com a agenda climática que subscrevemos. No entanto, há margem para o incremento da produção nacional, seu crescimento e sua estabilidade, com vista a garantir segurança e soberania alimentares. Deste modo, olhando para toda a cadeia produtiva, entre os muitos desafios do sector destaca-se a fragilidade das soluções pós-colheita, da conservação à distribuição, terminando na internacionalização.

De salientar que o fato de não ser o motor da economia não lhe tira o seu papel estruturante, visto que, todo o sector primário é peça fundamental para a criação de riqueza e para o combate a pobreza rural, criando oportunidades locais e fixando, consequentemente, a população nas comunidades.

O modelo de desenvolvimento agrícola que se queira projetar para o futuro não pode ser equiparado ao modelo colonial, pois, este último tinha uma estrutura económica e social própria, historicamente irrepetível, em que os recursos de cada roça suportavam, juntamente com fortes medidas protecionistas estatais, um modelo com proveito exclusivo para os seus exploradores, que usavam mão-de-obra escrava, inicialmente, depois, contratada, que mais não eram que produtos não valorizáveis. O modelo de desenvolvimento de futuro que se pretende transformador, performante e de sucesso, tão pouco pode inspirar-se ou basear-se em soluções estatizantes, centralistas e proclamadamente revolucionárias que marcaram o imediato pós-independência, agravadas pelas variações de preços nos mercados internacionais, cujos resultados tão bem conhecemos e cujas consequências trouxeram-nos até aqui. 

O futuro do nosso setor agrícola e a sua necessária transformação passa muito pelo enorme desafio de conceptualizar o desenvolvimento rural através duma abordagem multi-task, que valorize a iniciativa, criatividade e inovação dos privados, que promova a preservação do património cultural e arquitetónico, que introduza práticas de economia circular e princípios de economia de missão ou de bem comum, que aprofunde o reforço da resiliência às alterações climáticas, que tenha como escopos a inclusão social e a redução do êxodo rural, em suma, que impacte no sentido da igualdade económica e social no mundo rural para o mundo rural e com o mundo rural.

Assim, o essencial e o imediato são as infraestruturas públicas. Precisamos urgentemente de melhores e novos acessos, que permitam fornecer serviços básicos para a população, que sinalizem a presença próxima do Estado, que visem facilitar a incubação e a instalação de empresas e que aspirem reestruturar os serviços de extensão rural, entre outros. Necessitamos de planificar, à sério, e programar, mais à sério ainda, articulando a planificação com a programação, inovando, endogenamente, ou seja, apropriando-nos das soluções para os nossos problemas, usando os nossos recursos. Por isso, o desenvolvimento agrícola não deve ser isolado e executado por programas e projetos avulsos, antes sim, enquadrado num programa de desenvolvimento nacional, regional e local, resultante de planificação do que pretendemos para o país.

Por tudo, faz sentido a criação de um Laboratório para o Desenvolvimento de São Tomé e Príncipe, Lab-Dev, uma entidade com o escopo principal de estudar reflexões produzidas e de propor novas reflexões e de monitorizar e avaliar políticas económicas sectoriais e multissectoriais, mas também capaz de mapear medidas e resoluções, de produzir índices de preço e de produção, fazendo a obrigatória articulação e o necessário follow up para que seja possível prever, medir e quantificar o impacto das decisões.

A estratégia “100% bio” não é o modelo mais adequado para STP, porque ele não é viável a nível internacional, salvo quando direcionado para segmentos específicos, no entanto, quando escalado, põe em causa a sua sustentabilidade. Por um lado, o mercado bio em Africa ainda é incipiente, embora se registe algumas boas dinâmicas nos últimos anos. Por outro lado, os sistemas bios são menos produtivos, requerem mais área e apresentam um maior risco de insucesso. Logo, a outra agravante dos produtos bios é o preço que é consideravelmente superior aos produtos convencionais. Por isso, devemos sim ter fileiras de alto valor, porém, estas devem ser complementadas com uma produção convencional para o mercado nacional e os países da costa africana para os quais temos uma vantagem competitiva assente em preço. Exemplos disso são a matabala, a banana e a fruta-pão, já citados em alguns relatórios como sendo produtos suscetíveis de serem exportados para os mercados vizinhos. Uma das razões apontadas pelos defensores da estratégia 100% bio é a vantagem do modelo produtivo, no entanto, já existem outros modelos igualmente sustentáveis e resilientes que podem ser experimentados localmente.

Relativamente aos investimentos, é notório o crescimento do investimento externo, nos últimos anos, por exemplo, a Agripalma, Sotocao, Valudo, Diogo Vaz, entre outros, que são comprovadamente importantíssimos para a criação de riqueza e de emprego. É fundamental e determinante que o país possa promover um bom ambiente de negócios para estas empresas e, consequentemente, aprofundar níveis de reputação para atrair mais investidores. Quanto aos empresários nacionais, é reconhecido que têm problemas crónicos, da dificuldade de acesso ao capital, da descapitalização das empresas e dos empresários, da incapacidade de autonomamente o estado criar e manter estruturas de apoio à gestão, à produção, à certificação, à conservação e à distribuição, da pequenez do mercado para transação dos produtos, entre outros. Porém, não obstante essas dificuldades, os empresários locais têm-nas enfrentado para abastecer, com relativo sucesso, os nossos mercados e não só.

Numa altura em que, aparentemente, se assiste a um crescimento tendencial de investimento estrangeiro e também a um incremento de atividade de pequenas e médias empresas locais, caberia ao governo ser capaz de fortalecer os organismos públicos de assessoria, controlo e monitorização para que estes investimentos possam enquadrar-se dentro da política nacional, alinhando-os, desde logo, com responsabilidade social e com preservação e a sustentabilidade do meio ambiente.

O desenvolvimento técnico e tecnológico na agricultura continua muito incipiente, é obrigatório e necessário ser-se criativos e encontrar mecanismos que tornem possível que se financie um pacote de medidas para modernização que resultem duma inteligente e integrada planificação, que abarque todos âmbitos da agricultura e do mundo rural. A visão que deve nortear o plano tem de ir do campo até ao cliente final, passando pela conservação, distribuição e transformação. Vai desde as infraestruturas para o sector, como a estufagem, a rega e o aproveitamento da água, a armazenagem e o processamento, passando pela promoção das tecnologias de informação e comunicação e recolha e tratamento de dados agrícolas que possam melhorar o desempenho técnico dos agricultores (e a performance dos intermediários), abrindo-lhes novos canais de acesso aos mercados e à mais céleres operações financeiras até a disponibilidade de acesso a fundos de investimento eficientes e adaptados as características do país.

Nos países mais desenvolvidos já se implementou a agriculta de 4ª geração, onde por exemplo a rega, a colheita e a adubação são processadas sem intervenção humana, apenas com recurso a programas informáticos, drones e sensores. Isto não significa que vamos caminhar no sentido da automatização total da nossa agricultura, à curto prazo, mas há um longo caminho a percorrer no sentido da mudança técnica, melhorias na eficiência e ganhos de produtividade que é urgente e determinante.

Hoje, mais do que nunca, face a necessidade de ganhos de produtividade e de aumento de índices de competitividade, é imperioso criar o Observatório de Agricultura, Pecuária e Pescas de São Tomé e Príncipe, uma instituição de assessoria concertada, à vários níveis, que promova estudos, que apoie na tomada de decisões políticas e decisões económicas e de gestão dos agentes do sector, que recolha dados e faça o respectivo tratamento e os publique, que dinamize uma Bolsa de Produtos Agro-Pecuários e Piscatórios e que produza e publique sintéticos relatórios de análise de risco do sector.

É também tempo de tirar da gaveta e desempoeirar velhos projetos que bem redesenhados poderão servir de suporte à modernização do sector, nomeadamente, a criação de um Fundo de Investimento autónomo para financiar projetos tradicionais e start-ups do sector, agregando-o e incorporando aos esforços já existentes e dispersos em iniciativas de organizações multilaterais ou de cooperação multilateral.  

A nossa floresta é a nossa principal proteção, é o pulmão e é também o coração das Ilhas, isto tem de ficar claro a toda a sociedade civil e aos múltiplos poderes instalados. Por isso, todas as iniciativas já lançadas, as que estão em curso e as futuras por projetar são de louvar e são para apoiar. A título de exemplo a campanha, “Non Sa Obô”, da Direção das Florestas com o apoio do PNUD São Tomé e o Global Environment Facility. Estas campanhas são importantes porque pretendem sensibilizar e promover por via da educação ambiental, que é crucial para que se perceba e interiorize o valor da floresta para o País, mas mais do que isso, estas campanhas consciencializam para literacia ambiental e florestal.

As políticas florestais devem interligar-se com a promoção do turismo ecológico e comunitário, obrigando a que as mesmas sejam desenhadas com vista a estabelecer parcerias que promovam mais investigação e estudos no sentido de conhecermos melhor todo o potencial florestal, melhorando o aproveitamento e a gestão dos recursos da floresta, intensificando a conservação, a fiscalização e a monitorização. As políticas florestais, mais do que quaisquer outras, no seu desenho e conceção têm obrigatoriamente que incorporar, em permanência, uma forte componente de visibilização, de marketing, de interação e de participação, daí, fazer sentido transformar as florestas, o Parque Ôbô num activo imaterial de promoção, para lá do valor de Reserva Mundial da Biosfera que já têm. Uma forma de objetificar e concretizar essa ideia passará pela criação de uma aplicação digital dedicada a floresta, cujo código QR deve merecer destaque em todos pontos turísticos relevantes do País.

As pescas é outro sector igualmente importante face a riqueza haliêutica das nossas águas, dado a presença de espécies de pescado de elevado interesse económico que suscitaram e suscitam o interesse e muita procura a nível internacional. Este sector divide-se em duas dimensões, por um lado, a nossa pesca artesanal e, por outro, a pesca industrial resultante dos acordos / contratos de pesca assinados ao mais alto nível entre governos. De realçar que esta matéria tem merecido muita atenção da opinião pública, isto porque estes contratos envolvem muito dinheiro e muitos interesses, por isso devem ser mais e melhor escrutinados, têm de ser mais e melhor rentabilizados.

As políticas para este sector devem passar por alocar uma percentagem das verbas dos contratos de pesca para a modernização do nosso sector piscatório, para o reforço da fiscalização dos barcos que navegam nas nossas águas, para o controlo efetivo de cada espécie, por tudo isso, precisamos de ir mais longe em investigação e estudos nessa área, só assim será possível atrair ou promover investimentos que possam criar emprego e contribuir para produção da riqueza nacional. É hora de ter ambição, e de trabalhar, com vista a instalação, para começar, de uma unidade de transformação local de pescado, projeto perfeitamente realizável, sabendo-se que pequenos estados insulares, como nós, têm optado por constituir pequenos, mas relevantes hubs da indústria conserveira.

Toda a política agrícola bem estruturada e que produza os efeitos desejados será uma mais-valia na criação de riqueza, no combate a pobreza e na promoção da igualdade social, bem como, na defesa do meio ambiente. Quando falhamos estamos a adiar o desenvolvimento e a ampliar a frustração de milhares de cidadãos e de agregados familiares que dependem quase exclusivamente da terra e dos seus recursos.

Assim, pretendemos chamar atenção para um conjunto de temas estruturais para o desenvolvimento agrícola do país, apresentando algumas ideias e relançando o debate que estará aberto para todos que queiram contribuir para esclarecimento e a busca de soluções que possam ajudar na resolução de problemas deste sector.