Paraíso Fiscal: Um Possível Vetor para a Viabilização Económica de São Tomé e Príncipe?

Maria do Carmo Silveira

Para se tornar um paraíso fiscal, não basta estabelecer impostos baixos ou nulos. Tornam-se necessário um conjunto de atributos que vão desde a estabilidade governativa, social e a boa governação até a capacidade para lidar com as pressões internacionais para restringir tal atividade.

RESUMO

Num passado recente o Governo de São Tomé e Príncipe tornou público a assinatura de um acordo para a instalação de uma zona franca na localidade de Malanza, na zona sul do país, um investimento estimado em 1,3 mil milhões de dólares. Este anúncio veio ressuscitar, no imaginário de vários são-tomenses, uma antiga expetativa quando a possibilidade de São Tomé e Príncipe poder vir a tornar-se numa plataforma de prestação de serviços francos e offshore, enquanto vetor de viabilização económica do país.

Com efeito, diversos estudos apontam que a estratégia de desenvolvimento assente em regimes de fiscalidade especial tem permitido à muitos Pequenos Estados Insulares atingir níveis elevados de crescimento económico e proporcionar elevado padrão de vida aos seus cidadãos. Além disso, os benefícios de uma eventual estratégia de atração de IDE compensam amplamente os custos que, eventualmente, lhes estão associados e os Pequenos Estados paraísos fiscais são mais propensos a se desenvolverem do que os não paraísos fiscais.

No caso de São Tomé e Príncipe, dado o baixo nível de investimento de longo prazo observado, o elevado desemprego e uma população jovem, o estudo considera que a atração de investimento direto estrangeiro deve ser um dos eixos estratégicos da política económica do país. Porém, para se tornar um paraíso fiscal, não basta estabelecer impostos baixos ou nulos. Tornam-se necessário um conjunto de atributos que vão desde a estabilidade governativa, social e a boa governação até a capacidade para lidar com as pressões internacionais para restringir tal atividade.

O presente artigo, elaborado com base numa pesquisa documental efetuada no âmbito de um programa doutoral, pretende suscitar o debate nacional sobre os desafios inerentes à uma eventual estratégia assente em regimes de fiscalidade especiais para São Tomé e Príncipe.

Palavras-chave: Pequenos Estados Insulares, paraísos fiscais, investimento direto estrangeiro.

OS PARAÍSOS FISCAIS: ALGUMAS EVIDÊNCIAS EMPÍRICAS

Santos (2013) afirma que o sistema fiscal vigente num Estado constitui um dos fatores fundamentais para a melhoria da competitividade desse Estado, uma vez que a concorrência internacional não se processa apenas no campo empresarial, ocorrendo também no âmbito dos próprios Estados. Por conseguinte, aspetos institucionais relativos a cada Estado em áreas que se prendem com a celeridade do seu sistema judicial, a credibilidade dos meios legais de arbitragem, a tipologia das sociedades, a maior ou menor burocratização dos Registos e do Notariado, a legislação laboral e o sistema fiscal vigente são aspetos decisivos para a melhoria dessa competitividade.

O fenómeno da concorrência fiscal, segundo Santos & Palma (1999), assume grande relevo no contexto atual de economias globalizadas. A estrutura de rede global da empresa multinacional moderna é motivada por uma série de fatores, incluindo mercados de produção e de consumo, regulamentação e tributação. Tendo em conta as disparidades na regulamentação tributária de uma jurisdição para outra, as multinacionais utilizam uma série de estratégias inter-relacionadas para minimizar os seus passivos em termos de impostos (Palan &Nesvetailova, 2013).

Assim, os paraísos fiscais surgem como jurisdições sem impostos ou com baixos impostos (Eden & Kudrle, 2004) que medeiam os fluxos financeiros globais (Cobham et al.2015). No entender de Chavagneux & Palan (2011), não existe uma definição única e objetiva de paraíso fiscal, nem tão pouco seja possível estabelecer-se, consensualmente, uma lista exaustiva destes espaços. Porém ao cruzar várias definições estes autores destacam dez critérios para a caracterização de um paraíso fiscal, a saber: (i) uma tributação baixa ou nula para não-residentes, (ii) sigilo bancário reforçado, (iii) sigilo profissional alargado, (iv) flexibilidade do registo comercial, (v) total liberdade de movimentos de capitais estrangeiros, (vi) agilidade no processo de exportação, (vii) presença de um centro financeiro (com infraestrutura de tecnologia de informação), (viii) estabilidade social, política e económica, (ix) Boa imagem da marca e (x) uma rede de acordos bilaterais com países importantes para evitar a dupla tributação.   

No caso concreto de pequenas economias insulares, de acordo com Kneller et. al. (1999), um pacote de incentivos fiscais atrativos pode compensar algumas desvantagens associadas a vulnerabilidades estruturais, incluindo a qualificação de mão-de-obra, os elevados custos dos fatores, sendo, por conseguinte, um instrumento para melhorar a competitividade externa de empresas que queiram instalar-se nestes países.  Convém, neste particular, referir-se a opinião de Catarino (2014) segundo a qual, a grande questão da tributação internacional reside na possibilidade da existência de uma concorrência fiscal prejudicial aos Estados que tem sobretudo a sua maior expressão internacional na existência de zonas de exclusão fiscal, nalguns casos total, como são os designados “paraísos fiscais” cuja influência na atual economia global é de todos conhecida pelos seus aspetos altamente lesivos para um desenvolvimento sustentável da economia mundial.

No entanto, estudos como os de Bucovetsky (1991) e Wilson (1991) observam que a competição tributária internacional favorece pequenos países, pois estes têm um incentivo maior para estabelecer valores de impostos relativamente baixos sobre o capital e, assim, atrair capital para longe de grandes países. Justificam esta afirmação com o facto de a diferença de tamanho entre países ser, frequentemente, representada por diferenças na oferta de mão-de-obra, pelo que, sendo toda a produção caracterizada por retornos de escala constantes, as únicas implicações da diferença de tamanho envolvem incentivos para definir impostos altos ou baixos.

Dados do Banco Mundial apontam que em 2015 os fluxos de investimento direto estrangeiro (IDE) para as jurisdições identificadas como paraísos fiscais, com população até quatro milhões de habitantes, totalizaram quase US $ 190 mil milhões, ou seja, uma média de US $ 5,8 mil milhões por país. Em contraste, países que não são paraísos fiscais, com a mesma população, receberam, em média, apenas US $ 549 milhões de IDE no mesmo ano, o que aponta para a possibilidade de jurisdições de paraísos fiscais gerarem fluxos de IDE numa ordem de grandeza maior que as jurisdições não-paraísos fiscais de tamanho semelhante (ver Tabela 1). Esta diferença é muito mais acentuada quando o limite populacional é de 1,5 milhões (US$ 4,3 mil milhões de IDE para os paraísos fiscais e apenas US$ 276 milhões para os não-paraísos fiscais) (Tabela 1).

Tabela 1: Fluxos de IDE por jurisdição em 2015

População

Paraíso Fiscal

Não paraíso fiscal

0 – 4 milhões

US$5,8 mil milhões (n=41)

US$549 milhões (n=61)

0- 1,5 milhões

US$4,3 mil milhões (n=33

US$276 milhões (n=36)

0-1milhão

US$4,2 mil milhões (n=35)

US$268 milhões (n=30)

Fonte: UN Population Division, Banco Mundial

Estes indicadores podem ter sustentado a afirmação de Dainoff (2017), segundo a qual os Pequenos Estados Insulares (PEI) paraísos fiscais são mais propensos a se tornarem Estados ricos do que os não-paraísos fiscais. O mesmo autor identifica vários benefícios para os PEI de uma estratégia de desenvolvimento assente num sistema de baixa fiscalidade, designadamente o facto de (i) os custos iniciais e gastos de capital adicionais para transformar uma jurisdição num paraíso fiscal serem muito mais baixos quando comparados com outras estratégias de desenvolvimento económico como a de exploração de recursos naturais ou de industrialização, principalmente se o país já estiver posicionado como destino turístico, (ii) por se tratar de pequenas economias com populações muito pequenas e os gastos públicos tenderem a ser relativamente baixos no início, pelo que instituir um regime de baixa tributação tem impacto limitado nas políticas públicas, (iii) o facto de a adoção de um regime de baixa tributação não exigir uma mudança radical na vida quotidiana das populações e (iv) o facto tornar a estratégia de desenvolvimento económico de um paraíso fiscal atraente para os apoiantes do Governo, porquanto os impostos permanecem baixos, garantindo apoio continuado destes ao governo no poder, aumentando a estabilidade política do Estado (Dainoff, 2017).

Além disso, da análise da tabela 2, a seguir, pode-se inferir que o grupo dos PEI paraísos fiscais apresenta níveis de PIB percapita, notoriamente, mais elevados do que os restantes grupos.

Tabela 2: Crescimento médio do PIB percapita (%), população inferior a 4 milhões

 

Paraísos fiscais

(n=38)

Dependentes de recursos (n=16)

Outros Pequenos Estados (n=42)

1970-2016

2.58

2.03

1.92

1970-2000

2.62

1.38

1.97

2001-2016

1.90

2.33

1.82

Fonte: Dainoff (2017) e IMF World Development Indicators

Porém, Hines (2005) e Armstrong et al (1998) afirmam que tornar-se um paraíso fiscal nem sempre garante uma prosperidade do Estado. Tendo calculado a média das taxas de crescimento do PIB per capita dos paraísos fiscais no período de 1970 a 2016, estes autores observaram que tornar-se um paraíso fiscal não é garantia de que a economia cresça constantemente. Justificam a afirmação com o facto de 3 das 42 jurisdições estudadas (Aruba, Libéria e Andorra) terem tido taxas de crescimento negativas, enquanto outras seis (Bahrain, Ilhas Virgens Americanas, Vanuatu, Barbados e Suíça) tiveram resultados positivos com taxas de crescimento inferiores a 1%. Ainda assim, observam taxas de crescimento positivas em 39 dos 42 paraísos fiscais analisados.

Eden & Kudrle (2005), por sua vez, destacam aquilo que consideram ser uma das ironias centrais do mundo dos paraísos fiscais, o facto de, para se tornar um paraíso fiscal bem-sucedido o PEI tenha que desenvolver uma reputação positiva no mercado internacional e na comunidade bancária, obtendo ao mesmo tempo uma reputação negativa ao nível de organismos de legislação e diplomáticos internacionais. A reputação é na perspetiva de Eden & Kudrle (2005) fundamental para o desenvolvimento de uma clientela para o paraíso fiscal, mas as jurisdições que o fazem (especialmente se for feito de forma ativa e ávida) também desenvolvem a reputação de Estado “não cooperante” na comunidade internacional, ou seja, de um membro de reputação questionável na comunidade internacional.

Para os supracitados autores, um Estado não-cooperante é aquele cujas práticas são relevantes para as regras internacionais, mas cujo comportamento não esteja em conformidade com as normas e práticas desse regime. No entender destes autores, um Estado renegado não pode ser apenas descartado e ignorado. O seu comportamento afeta o comportamento de outros Estados do regime, e, portanto, o sucesso final do próprio regime. No caso de paraísos fiscais, estes são renegados no regime de harmonização e cooperação tributária internacional, com os países desenvolvidos a tentarem criar, através de organizações como a OCDE e o Departamento Financeiro Força-Tarefa de Ação (GAFI), mecanismos para limitar a sua ação, colocando-os em listas negras.

Corroborando a perspetiva da OCDE, Catarino (2014), observa que a concorrência fiscal internacional resulta do facto de os Estados, ao passarem a considerar nas suas decisões a necessidade de adequar os impostos ao bem-estar social, ao investimento e ao progresso científico, visando atrair capitais para o seu território e evitando, a todo o custo, o processo de deslocalização, poderem afetar de forma clara e objetiva Estados terceiros.

Entretanto, no entender de Dainoff (2017), a comunidade internacional pune os Estados “não- cooperantes” de forma ineficaz e considera que parte da dificuldade que os organismos multilaterais enfrentam para disciplinar os impostos dos paraísos fiscais tem a ver com as relações históricas que os Estados envolvidos têm com tais paraísos fiscais. A respeito, Dainoff (2017, p.40) afirma:

“Many of the existing tax havens started their Westphalian existences as colonies of the British Empire, giving them access not just to the English common law tradition, but also to a potential customer pool for their services. Of the 51 tax havens, 41 were on the OECD 2000 blacklist. Of these 41, 19 had a direct, legal link to an OECD member state, while three of the 51 (Latvia, Luxembourg, and Switzerland) were member states themselves.”

Pelas razões acima mencionadas o mesmo autor identifica dois motivos que justificam a opção de se tornar um paraíso fiscal, mesmo diante da desaprovação universal, tais como (i) o facto de ser uma estratégia de desenvolvimento económico, comparativamente, bem-sucedida, na ausência de recursos naturais e (ii) pelo facto de o impacto prático dessa desaprovação internacional ser relativamente baixo. Além disso, o mesmo Dainoff (2017) identifica dois fatores que podem explicar por que razão alguns Estados são mais propensos a se tornarem paraísos fiscais do que outros, a saber, (i) a existência de governos estáveis que incentivam o investimento estrangeiro e (ii) a capacidade para lidar com as pressões internacionais para restringir a sua atividade.

A POLÍTICA FISCAL DE INCENTIVO A INVESTIMENTO PRIVADO ESTRANGEIRO EM SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE

Os esforços para a atração de investimento privado estrangeiro (IDE) em São Tomé e Príncipe datam da segunda metade da década de 1980 com o processo da liberalização económica. A emergência da iniciativa privada como motor de crescimento económico, tornou imperativo a criação de um quadro jurídico regulador dos benefícios fiscais para investimentos privados.

O primeiro Código de Investimento foi adotado em 1986 (Lei 14/86 de 18 de abril), tendo como objetivo proporcionar ao investidor maior garantia e segurança. O mesmo previa quatro regimes fiscais: (i) o geral, (ii) o de pequenas e médias empresas, (iii) de investimento prioritário e (iv) de convenção de estabelecimento. Os acordos de investimento. Este viria a ser alterado pelo Decreto-lei 17/90 de 10 de abril na sequência da constatação de que os incentivos previstos se revelaram, na prática, insuficientes para a mobilização de investimentos. Importa destacar que os primeiros fluxos de investimento estrangeiro para São Tomé e Príncipe surgem também em finais da década 1980, ao abrigo do acordo assinado entre o Governo e o cidadão sul-africano de origem alemã, Christopher Hellinger, considerado o primeiro investidor estrangeiro a apostar em São Tomé e Príncipe e cujos investimentos se concentraram essencialmente ao setor hoteleiro, em particular, na construção do Hotel Marlin Beach em São Tomé e do hotel Ilhéu no ilhéu Bom Bom.

Em 1992 foi aprovado o segundo Código de Investimento (Lei 13/92 de 15 de outubro) fixando três regimes de incentivos, sendo o simplificado e o geral aplicáveis ao investidor nacional e o contratual ao investidor estrangeiro.

Em 2008 é adotado o terceiro Código de Investimento (Lei 7/2008 de 29 de agosto). Este novo Código, que vigorou durante quase 10 anos, estabeleceu um novo quadro jurídico que harmoniza, num único regime, as condições para os investidores nacionais e estrangeiros. Neste Código o sistema de incentivos fiscais ao investimento estrangeiro carateriza-se, na sua generalidade, pela redução de pagamento de impostos e de taxas aduaneiras e pela concessão de facilidades administrativas para o uso de bens públicos, conforme sintetizado na Tabela 3. Assim, ao abrigo deste Código de Investimento, os projetos de investimento podiam habilitar-se a facilidades administrativas na concessão de terreno para a construção, a cedência de exploração de prédios rústicos ou urbanos que sejam propriedade do Estado e se mostrem adequados à realização do projeto e a incentivos fiscais e reduções aduaneiras previstos em legislações específicas, conforme o quadro que se segue:

Tabela 3: São Tomé e Príncipe: Incentivos fiscais para atração de IDE

  •   Isenção de IRC sobre 50% do lucro tributável às empresas que desenvolvam atividade exclusivamente agrícola
  •   Isenção de 50% sobre Dividendos dos acionistas com vista a eliminação da dupla tributação dos lucros distribuídos
  •   Isenção total de Imposto sobre consumo para os serviços que visam a prestação de cuidados médicos
  •   Isenção de 95% sobre direitos aduaneiros de importação
  •   Concessão de direito de uso de terrenos do domínio privado do Estado

Fonte: Código de Investimentos (Lei 7/2008 de 27 de agosto)

Um aspeto a destacar no referido Código de Investimento é a aposta no setor agrícola (ver Tabela 3). Armstrong (2002) associa a aposta na agricultura com o subdesenvolvimento verificado em vários Pequenos Estados Insulares, porquanto a mesma se revelou contraproducente em vários países, entre os quais Comores e Papua Nova Guiné.

Em 2016 é adotado um novo Código de Investimentos (Decreto-lei 19/2016 de 17 de novembro) e o Código de Benefícios fiscais (Decreto-lei 15/2016 de 17 de novembro) que abarcam um amplo conjunto de setores com potencial de crescimento, designadamente, a agricultura, agroindústria, pecuária, pescas, turismo, infraestruturas, telecomunicações, novas tecnologias, entre outros. O referido Código, muito mais atrativo do que os anteriores (ver tabela 4), estabelece zonas especiais de desenvolvimento com benefícios especiais, estando em total alinhamento com as perspetivas de desenvolvimento do país refletidas em vários estudos de que são exemplos a Visão STP 2030- O país que queremos, a Estratégia para o desenvolvimento sustentável 2019-2023, Sousa (2017), Aguiar (2013), os quais apontam no sentido de um elevado potencial de prestação de serviços destas ilhas. O Banco Mundial também recomenda São Tomé e Príncipe a passar de uma economia que considera ser de modelo MIRAB para o modelo PROFIT ou SITE, ambos caracterizados por uma elevada contribuição do setor de serviços.

Tabela 4: Incentivos fiscais ao investimento privado (Decreto-lei 15/2016)

  •   IRC de 10%, com redução de 50% durante os primeiros cinco anos
  •   Isenção do imposto de selo durante cinco anos
  •   Isenção dos direitos de importação sobre bens e equipamentos destinados a produção, desde que não sejam produzidos localmente;
  •   Isenção de direitos aduaneiros
  •   Redução da taxa de sisa
  •   Redução da taxa de sisa na aquisição de imóveis;
  •   Amortização acelerada dos investimentos
  •   Dedução à matéria coletável dos custos com a construção e reabilitação de estradas, abastecimento de água, energia elétrica, escolas e hospitais em determinados distritos
  •   Dedução à matéria coletável dos custos com a formação de quadros nacionais

Fonte: Decreto-lei 15/2016 e elaboração da investigadora

Um estudo sobre os incentivos ao investimento privado elaborado pela Comissão de Avaliação e Seguimento dos Projetos de Investimento Privados (CASPP) realizado em 2019 destaca o facto de os projetos de investimento estarem sujeitos a um conjunto de taxas administrativas que oneram os custos e podem afetar a competitividade das empresas. Adianta o mesmo relatório que a proliferação de taxas cobradas pelas instituições do Estado que intervêm no processo de preparação dos dossiers de candidaturas a incentivos (taxa de inscrição de consultor ambiental, taxas de avaliação do estudo de impacto ambiental, taxa de emissão de título de posse de terra, taxa de emissão de novos títulos provenientes de trespasses, entre outros) funciona, segundo o relatório, como dissuasor do investimento ao imputar custos ao investidor numa etapa em que não existe garantia de deferimento da proposta. O relatório acrescenta ainda que, apesar de os direitos aduaneiros de importação estarem limitados nos termos da lei à uma taxa de 5%, o estudo identifica que:

“Na prática o investidor tem encargos diretos muito superiores porque acrescem outras imposições relativas a taxa de informática, selo, impresso e taxas de prestação de serviços aduaneiros devidos pelo tráfego no Porto a ser pago a ENAPORT, despesas com a Polícia Fiscal, agenciamento dos Despachantes Oficiais e, em alguns casos, os custos dos serviços fitossanitários” (CASPP, 2019, p.21).

De realçar que, em São Tomé e Príncipe, os investimentos privados estrangeiros se concentram essencialmente no setor de serviços (nomeadamente, o hoteleiro, da banca e seguros e das telecomunicações), e da transformação (produção do chocolate), sendo importante ter-se em conta que, como afirma o relatório da CSAPP (2019, p.12):

“Existem fortes evidências de que muitos, entre os poucos, investimentos de grande envergadura, não teriam ocorrido no país sem os apoios do Estado de que beneficiaram, sendo certo também, a julgar pelos custos dos fatores de produção associados à pequenez, insularidade e ao distanciamento do país e das dificuldades de recuperar o capital, que a taxa de sobrevivência destas empresas seria significativamente menor. Neste contexto, sem incentivos fiscais é provável que o País perderia todo o investimento e, consequentemente, os impostos e o emprego que esse investimento gerou, porque sem esses incentivos o investimento não teria acontecido”. CSAPP, 2019 p,12

O relatório alerta, também, para o facto de a taxa de sobrevivência das empresas após o término dos benefícios fiscais ser baixa.

 

REGIME DE FISCALIDADE ESPECIAL: UM EVENTUAL VETOR DE VIABILIZAÇÃO ECONÓMICA DE SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE?

Na segunda metade da década de 1990, São Tomé e Príncipe terá experimentado, também, um conceito amplo de zonas francas para a prestação de serviços ligados à atividades francas e offshore à sub-região da África Central. Assim, em 1998 o país adotou o Código de Atividades Francas e Offshore (Decreto 33/98) e em 2004 foi instituída a Autoridade de Zonas Francas. O objetivo visado na altura era a prestação de serviços francos e offshore (que incluem o shipping, a recreação e o turismo, a indústria ligeira, finanças e prestação de serviços internacionais), numa clara estratégia que visava a exploração das vantagens comparativas decorrentes da sua localização estratégica no Golfo da Guiné, uma das regiões mais ricas da África.

Ressalva-se que o potencial de São Tomé e Príncipe na prestação de serviços de elevada qualidade e eficiência à referida sub-região é identificado em vários estudos de que são alguns exemplos Aguiar (2013), Costa (2011), Sousa (2017). No entendimento destes autores, a implantação e desenvolvimento do regime franco e offshore nestas ilhas pode oferecer à comunidade de negócios benefícios tais como a construção e gestão de infraestruturas privadas eficientes, oportunidades multissetoriais de desenvolvimento de negócios, segurança de pessoas e bens, incentivos de classe mundial e proporcionar ao país uma oportunidade de desenvolvimento socioeconómico.

A estratégia seguida pelo governo na altura foi a atribuição de terras aos investidores interessados em instalar zonas de comércio livre no território nacional, tendo sido feitas duas concessões, sendo uma na ilha do Príncipe, na Baía das Agulhas, numa área de 50 km2 (cujo objetivo era criar estruturas de prestação de serviços para alimentar as plataformas petrolíferas da zona de exploração conjunta dos recursos petrolíferos entre São Tomé e Príncipe e a Nigéria) e a outra no aeroporto de São Tomé numa área de 20 hectares (essencialmente destinada ao processamento de produtos para a África Central). Entretanto, nenhuma das concessões viu a luz do dia.

Mais recentemente, em 2021, São Tomé e Príncipe assinou, com um investidor canadiano, um acordo para a instalação de uma zona franca na localidade de Malanza, no sul do País e sua exploração por um período de 90 anos. Trata-se, segundo informações disponíveis, de uma zona franca multissectorial com atividades diversas, nomeadamente, a industrial, de exportação de mercadorias e um complexo educacional, estimada em cerca de 1,3 mil milhões de dólares, capaz de criar mais de nove mil empregos e assente numa parceria público-privada. Entre este e o acordo anterior passaram-se cerca de 20 anos e pode ser entendido como o resultado de uma busca incessante de formas de viabilização económica do país. Foram criadas pelo Governo duas comissões nacionais de seguimento do referido projeto, não havendo, no entanto, evidências de atividades no sentido da efetiva concretização do projeto. Isto leva-nos a questionar: que mudanças de paradigma irão sustentar a viabilização desta nova iniciativa?

Vários estudos, entre os quais, Vlcek (2008), Dainoff (2017) e Eden & Kudrle (2005) asseveram que não basta apenas, os países criarem as leis e aguardar a chegada dos investidores. Torna-se necessário alguns atributos, cuja inexistência, pode prejudicar os países na sua decisão de se tornarem um paraíso fiscal.

O primeiro atributo e mais importante é a estabilidade política. A estabilidade política e a boa governação são fundamentais para o desenvolvimento dos paraísos fiscais, porquanto os investidores são atraídos pela estabilidade social, politica e governativa (Dainoff, 2017; Eden & Kudrle, 2005). Estes afirmam que países com contextos sociais e governos mais estáveis tendem a ter níveis mais altos de IDE do que aqueles com governos menos estáveis, sendo por conseguinte, muito mais provável que países com governos e contextos sociais mais estáveis se tornem paraísos fiscais do que aqueles com contextos menos estáveis.

Em segundo lugar, um ambiente legislativo transparente, adequado e previsível. A criação da legislação e de regimes fiscais simples, estáveis, previsíveis e orientados para negócios é fundamental para que os investidores tenham tempo de fazer crescer os seus projetos em segurança (Shin, 2005; Rodjid et al, 2013). De acordo com Wilson (1991), a instabilidade legislativa e fiscal pode ser um dos elementos mais nefastos, tanto para investidores externos, como para o setor empresarial interno de qualquer país. 

Em terceiro lugar, a aposta na qualificação de recursos humanos. Para Pitelis (1991), trata-se de um elemento fulcral em qualquer estratégia de competitividade, sendo também um dos condicionalismos mais gritantes do desenvolvimento dos PEI. Farberg (1994), ao analisar a relação entre educação e crescimento económico, defende a simultaneidade de investimentos na educação e no capital físico. Outros fatores facilitadores incluem também a existência de algumas condições infraestruturais, à partida, bem como de acessibilidade externa.

Porém, importa destacar dois aspetos. O primeiro é que o contexto internacional da década de 1990 era muito mais favorável ao surgimento de paraísos fiscais. Atualmente, assiste-se a uma crescente condenação internacional desta atividade e o endurecimento das legislações internacionais de combate à evasão fiscal, o que  leva-nos a questionar sobre as reais possibilidades de um PEI se tornar uma economia do modelo SITE ou PROFIT, tal como é Seychelles e Singapura, cujo processo se iniciou na década de 1980. Por outras palavras, até que ponto, no contexto atual, será possível a um PEI almejar uma especialização diversificada da sua economia, mantendo a sua credibilidade internacional. Tyler Cowen, professor de economia da George Mason University nos Estados Unidos e colunista da Bloomberg, realça a proteção dos Estados Unidos da América como um dos fatores determinantes do sucesso de Singapura. Tyler Cowen destaca a existência de vários acordos de cooperação em vários domínios, incluindo a criação de uma zona de comércio livre com os EUA que se enquadravam nos interesses estratégicos americanos na região, o que consubstancia, de acordo com Malcher (2008), numa perspetiva de construção da racionalização do poder do ator forte e da oportunidade de voz para o ator fraco num ambiente de cooperação. Deste modo, os EUA usufruíam da estabilidade para os seus investidores, abertura de mercados e redução de tarifas. Quanto a Seychelles, deve-se ter em consideração a importância das parcerias estabelecidas com os EUA durante o período da Guerra Fria, e posteriormente com a China, Indonésia e África Sul que permitiram atrair importantes investimentos provenientes destes países, os quais foram importantes para o take off (Larose, 2013).

Assim, perante os constrangimentos do atual contexto internacional caracterizado, quer pela crescente interdependência económica entre as sociedades, quer pela diminuição da autonomia dos Estados-Nação, pela pouca influência dos PEI no contexto internacional e pelo crescimento do peso das transnacionais nas decisões de investimento, nas trocas comerciais e na transferência de tecnologia, encontrar formas criativas de diversificação setorial constitui, indubitavelmente, um fator desafiador para qualquer PEI.

Estes questionamentos tendem a pôr em causa o carácter “estritamente endógeno” dos determinantes do desenvolvimento de um PEI defendida por Briguglio (2008). O ambiente externo revela-se, deste modo, como um determinante exógeno de peso, afigurando-se como um fator facilitador ou limitador, ficando os PEI dependentes, em grande medida, das parcerias e alianças estratégicas que forem capazes de constituir e acima de tudo, do interesse que tal parceira/aliança estratégica represente para o parceiro hegemónico. Daí a advertência de Bristow & Healy (2020) para o erro de se entender o desenvolvimento como um processo estritamente endógeno, porquanto os países não existem de forma isolada.

Outro aspeto não menos importante a ter-se em consideração em qualquer estratégia de crescimento é o facto de nenhum dos subsistemas determinantes do referido processo poder determiná-la de forma isolada. Estes são moldados, não apenas pela qualidade da governação e pelo nível de educação, mas também, pela natureza e atitudes dos populares em relação ao trabalho e pelas elites política e económica, entre outros aspetos, cujos efeitos são traduzidos em perceções, expetativas e confiança (Rose & Krausman, 2013) e que acabam por afetar de forma positiva ou negativa a estratégia definida. Tal como referem Buy et al. (2006), Sindzingre (2006) e Brandt (1981), a abordagem sobre o desenvolvimento não é e não pode ser uniforme, visto que se observam respostas diferentes e adequadas para contextos diferentes que dependem da herança histórica e cultural, das tradições religiosas, dos recursos humanos e económicos, do clima e localização geográfica, do tipo e forma de governação, entre outros aspetos.

A análise efetuada leva-nos a considerar que, para ser bem-sucedido numa eventual estratégia assente em regimes de fiscalidade especial, STP precisa mudar de paradigma de desenvolvimento. É preciso entender, também, que vários Pequenos Estados Insulares, hoje destinos privilegiados de investimentos estrangeiros (Seychelles, Singapura, Maldivas), partiram de contextos socioeconómicos de alguma forma muito semelhantes aos prevalecentes em São Tomé e Príncipe. Fruto de lideranças visionárias, boa governação e políticas públicas adequadas e boas parcerias estratégicas, estes países conseguiram superar as suas vulnerabilidades e explorar com altivez as suas vantagens comparativas. São Tomé e Príncipe poderá conseguir o mesmo se for capaz de fazer o mesmo.  Não se trata de propor, para São Tomé e Príncipe, a replicação das estratégias seguidas por estes PEI, porquanto, tal como refere Murteira (1986), cada país tem a sua própria história que não se repete, pelo que, se pode admitir que cada país tem o seu próprio percurso de desenvolvimento. Contudo o percurso económico seguido por estes PEI oferece ensinamentos que podem ajudar na compreensão dos desafios que se lhe colocam a São Tomé e Príncipe e conceber soluções adequadas às suas especificidades.

Libreville, abril de 2022.

BIBLIOGRAFIA

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