As Incertezas Globais e as Debilidades Estruturais Internas: Uma Atenção a Economia São-tomense!

Não obstante a importante entrada da China na carteira dos parceiros bilaterais em 2016, os apoios externos caíram em cerca de ½ desde aquela data até 2019, e, consequentemente, a economia registou taxas de crescimentos cada vez menores: 4,2% (2016), 3,8% (2017), 2,9% (2018) e 2,2% (2019).

 

São-Tomé e Príncipe enfrenta desafios que são típicos de Pequenos Estados Insulares e que afetam a sua capacidade de lidar com choques e de ter um orçamento equilibrado, e a presença frequente de eventos adversos externos torna ainda mais difícil esta tarefa. Neste âmbito, observou-se uma sucessão de choques sobre a economia global desde 2007, destacando-se os seguintes: a crise do subprime (julho de 2007 até sensivelmente Março de 2009) Brexit (Março de 2017 até janeiro de 2020), guerra comercial entre EUA e a China (julho de 2018 a Dezembro de 2019), Covid-19 (desde 2020) e o conflito político-militar entre a Rússia e a Ucrânia em curso (desde Fevereiro de 2022).

No entanto, nos últimos 15 anos sensivelmente, observou-se quatro eventos domésticos importantes enquanto “critérios” para acomodação dos choques (quer seja internos como externos):

  • O primeiro evento, ocorrido em 2007, prendeu-se com o perdão de uma parcela muito significativa das responsabilidades externas do país (tendo o stock da dívida do governo caído em mais de metade);
  • O segundo acontecimento decorreu da adopção da ancoragem cambial de Dobras em relação ao Euro em 2010, instrumento que criava as condições para a estabilidade e convergência nominais. Antes da âncora, entre 1987 e 2006, ressalta-se que o efeito nefasto do risco cambial sobre o preço das importações de bens era o factor explicativo mais importante do desequilíbrio externo e da híper-inflação registada no período referido.
  • O terceiro evento relaciona-se com o reactamento das relações diplomáticas com a Republica Popular da China (RPC) em 2016, parceiro classificado de estratégico no âmbito da promoção de infraestruturas vitais para o desbloqueio da economia são-tomense (requalificação do aeroporto internacional e porto em aguas profundas);
  • O quarto facto, de assinalável relevância, é a estabilidade governativa observada ao longo dos últimos 8 anos (2014 a 2022), situação considerável como um “critério fundamental” para a promoção e estabilidade de projectos estruturantes.

Entretanto, na sequência dos eventos internos referidos acima, era expectável dar-se os primeiros passos para inauguração de um novo paradigma, promovendo-se “investimentos públicos estruturantes, reabilitação do aeroporto internacional e construção de um porto, infraestruturas importantes para o desbloqueamento e resolução dos grandes estrangulamentos à actividade económica.

Contudo, a ocorrência de eventos externos adversos referidos penalizaram, de forma directa e indirecta, o fluxo de apoios externos ao país e, consequentemente, os desequilíbrios orçamentais observados entre 2007 e 2021 sugeriram um incremento de mais de 160% da dívida do Governo São-tomense, com a agravante de permanecerem inalterados as mesmas debilidades estruturais da economia.

Recentemente, não obstante a importante entrada da China na carteira dos parceiros bilaterais em 2016, os apoios externos caíram em cerca de ½ desde aquela data até 2019, e, consequentemente, a economia registou taxas de crescimentos cada vez menores: 4,2% (2016), 3,8% (2017), 2,9% (2018) e 2,2% (2019).

Entretanto, quando se esperava um forte “abalo” sobre a economia nacional em 2020, a crise pandémica determinou consideráveis respostas financeiras (e materiais) internacionais e, contrariamente aos eventos externos adversos precedentes, viu-se uma importante inflexão do comportamento dos donativos. E assim, o aumento da procura agregada, suportada essencialmente pelo sector público, foi o factor que melhor explicou  o crescimento de 3,1% do PIB real em 2020, interrompendo o ciclo pré-recessivo verificados ao longo dos 3 (três) anos anteriores.

Contudo, é importante destacar o impacto assimétrico da pandemia sobre a economia, a recessão do sector de hotelaria e restauração penalizou sobremaneira a região Autónoma do Príncipe (RAP), onde a economia está estruturalmente concentrada no turismo.

De notar que, a estabilidade da governação registada ao longo dos últimos 8 (oito) anos, coincidiu com o aprofundamento das debilidades estruturais da economia doméstica, verificou-se alteração do perfil das taxas de crescimento da economia – o crescimento médio anual saiu de 4,5% (2010 a 2015) para 3,0% (2016 a 2021).

De igual modo, os preços apresentaram um novo perfil evolutivo: de 2010 a 2015, a inflação caiu de 12,9% para 4,2%, comportamento que evidenciava uma inequívoca convergência com os preços de Portugal, respondendo claramente ao objectivo central da âncora cambial. Entretanto, a partir de 2015 até ao momento presente, assiste-se à uma curva ascendente da trajetória da inflação, passando a situar-se na banda de 7,5% a 9,5%, coincidindo com uma forte desaceleração do Sector Agropecuário e Pesca, o que pode indiciar agravamento de problemas estruturais do lado da oferta doméstica como factor explicativo mais importante para o crescimento dos preços.

Em relação ainda à inflação, aos factores endógenos vieram acrescer os exógenos. Desde Setembro de 2020 assiste-se a um forte incremento da procura global, com impacto no aumento do preço das matérias-primas internacionais, e no último trimestre de 2021, verificou-se aumento do preço dos fretes de transportes marítimos para São-Tomé e Príncipe (importa ressaltar que os fretes representam cerca de ¼ do preço CIF das importações do país). Essa tendência está a ser acentuada pela invasão da Ucrânia pela Rússia, com particular relevo para a cotação das matérias-primas energéticas (o Crude, nas últimas semanas, oscilou numa banda de 110 a 101 dólares por barril, valor que não se registava desde meados de 2012).

Deve-se ressaltar que a dimensão temporal de incertezas da guerra será determinante para respostas fiscais mais ajustadas relativamente à “inflação importada” quer de produtos petrolíferos (cuja fixação de preços obedece à uma gestão administrada) como de bens de consumo.

No quadro de medidas de longo prazo, é importante chamar a atenção para a necessidade de priorização da produção doméstica do sector primário como um dos vectores essenciais para a contenção estrutural dos preços (os investimentos programados para o sector de horticultura devem-se traduzir num aumento mais pronunciado da produção e na criação de estruturas de armazenamento e conservação). Outrossim, a transição da pesca artesanal para semi-industrial já é uma exigência própria do mercado, explicada pela escassez crítica de peixe na zona económica exclusiva (ZEE) reservada a pesca artesanal.