Propósito

Lara Beirão

Saúde e Bem-estar Social, Agora!

A Nação em visível degradação progressiva implicou à SOMOS+ a congregação de esforços no sentido de serem identificadas áreas de acção as quais podem ser alvo de mudanças prioritárias. Com efeito esta associação estabelece como mínimo divisor comum a mudança de paradigma de forma transversal e como tal, para cada curadoria, são apresentados possíveis caminhos. Para o caso da Saúde e Bem-estar, a inspiração para a alteração de paradigma tem como Visão:

 À Cada Acção de Ontem e de Hoje, melhoramos o Amanhã”

                                   Conduzindo assim à Missão de

           “Zero Mortes por Negligência e Arbitrariedade, hoje e sempre!”

                                    Para um S. Tomé e Príncipe, com Mais Saúde e Mais Riqueza

                                                 Motivados pela construção de

                                                                                               “Uma Só Saúde”

René Tavares

S. Tomé e Príncipe, inserido no universo dos SIDS (Small Island Developing States), partilha diversos desafios de desenvolvimento sustentado. Por sucessivas escolhas e ações inadequadas, o fraco grau de resiliência denotada em diversos sectores é ainda mais gritante quando se observa o Sistema de Saúde que apresenta sérias fragilidades. Não obstante a Constituição da República prever no seu artigo 50º o direito à proteção da saúde, o pós-independência fica marcado pela degradação progressiva do SNS, Sistema Nacional de Saúde, não se podendo atribuir a nenhum dos sucessivos governos uma classificação satisfatória na análise, planeamento, e implementação de acções virtuosas tendentes a reformas profundas ligadas à Saúde Pública, em sentido lato. Todavia a Saúde e o Bem-estar de uma população, condicionam sobremaneira a produtividade de uma Nação. Neste âmbito, e de forma agravada, a Região Autónoma do Príncipe pela dupla insularidade, padece do isolamento geográfico e a fragmentação territorial, como sérias condicionantes a sistemas de saúde já débeis à partida, tornando os desafios e esforços ainda maiores face à São Tomé.

No actual contexto, como linha orientadora e ponto de partida, um exemplo de referência é a classificação de S. Tomé e Príncipe no Índice GHS , Global Health Security Index, da JHU, Johns Hopkins Center for Health Security, e desenvolvido em parceria com a EIU, Economist Intelligence Unit. Este índice constitui uma ferramenta de planeamento e priorização desenhado para ajudar os países a concentrarem-se na construção das capacidades necessárias, preparando-os para cenários de futuras epidemias e pandemias, uniformizando melhores práticas nos domínios da prevenção do surgimento ou circulação de patógenos, nos da detecção precoce e notificação de potenciais surtos de importância internacional e na capacidade de resposta rápida e mitigação da propagação.

De acordo com a última publicação, de Dezembro de 2021, num universo de 195º países, S. Tomé e Príncipe terá melhorado a sua performance  de 2019 para 2021 transitando de 192ª para 158. Todavia é ressaltado no relatório que muitos países registaram melhorias no papel mas não na aplicabilidade das medidas necessárias. A performance registada sugere graves fraquezas na capacidade do país para, designadamente: i) prevenir; ii) detectar e reportar; iii) responder rapidamente às emergências de saúde; iv) suprir lacunas severas no sistema de saúde; v) neutralizar ou mitigar vulnerabilidades a riscos políticos, socioeconómicos e ambientais que podem confundir a preparação e resposta a surtos; e vi) promover adequada adesão às normas internacionais. De acordo com os responsáveis da organização, as entidades governamentais de cada país podem solicitar discussões personalizadas sobre os resultados do índice, as classificações atribuídas e os possíveis caminhos para melhoria.

Sendo certo que nenhum país se encontra totalmente preparado para epidemias ou pandemias, todos têm fragilidades relevantes nos respectivos planos de acção e S. Tomé e Príncipe não constitui uma excepção. A segurança da saúde de cada país apresenta-se globalmente fraca, considerando em média todo o mundo, uma vez que mesmo países com sistemas de saúde sofisticados e aparentemente sólidos, vêm-se em estado de enorme fragilidade diante de contexto pandémico. Desenvolver soluções viáveis para a mitigação de riscos de propagação de epidemias e pandemias constitui um desafio para países, para regiões e para o mundo. A falta de medidas de política que assegurem a saúde e bem-estar num país, num contexto de livre mobilidade de cidadãos no mundo completamente global, compromete o bem-estar também dos demais países com que se relacionam pelo que a negligência em saúde pública de um país, impacta na saúde global. Assim, é fundamental que cada país assuma a responsabilidade de progredir no grau de resiliência em saúde pública.

No passado recente, o mundo teve de conviver com as epidemias de Ébola, da Dengue, as pandemias de Gripe A-H1N1 e agora Covid-19, que, claramente, puseram a nu o grau de resiliência de STP e expuseram a incapacidade de gerir as dificuldades quotidianas do seu frágil SNS.

De igual modo, a nível internacional o Relatório 2020 da CABRI, Iniciativa Colaborativa para a Reforma Orçamental em África,   sobre práticas e procedimentos de saúde pública em África, analisa como os países africanos definem os seus orçamentos da saúde. Não obstante STP não ser membro, nem ter feito parte dos 15 países inquiridos, o documento constitui mais uma ferramenta que pode servir de guião no âmbito das reformas almejadas, uma vez que sugere que, doravante, seja imperativo que os ministérios das finanças e da saúde trabalhem em estreita colaboração para uma maior afectação de recursos para a saúde e para uma utilização mais eficiente dos recursos em África.

Defende, de igual modo, que, provavelmente, uma melhor coordenação dos processos de orçamentação e execução entre os ministérios da saúde e os doadores aumente a disponibilidade e a utilização dos recursos. Por último, recomendam que os ministérios da saúde beneficiem do envolvimento e da colaboração das unidades responsáveis pelo desenvolvimento de infra-estruturas e abastecimento de água de que a eficácia das atividades de higiene e saneamento depende.

Internamente, o país dispõe de um PNDS, Plano Nacional do Desenvolvimento da Saúde 2017-2021, alinhado às diretrizes internacionais, bem como aos diversos documentos nacionais que guiam os objetivos fundamentais de saúde. Não obstante apresentar de forma clara a problemática e a sintomática da Saúde e indicar possíveis soluções, receia-se que tal como aconteceu com o anterior plano de 2012-2016, a Estratégia Nacional de Redução da Pobreza II, a Carta Sanitária (Março de 2012), dentre outros documentos relevantes, não desemboque em efetiva implementação.

O PNDS 2017-2021, à semelhança dos anteriores, visa a melhoria do estado da saúde em STP, projetando uma cobertura nacional ampla e equitativa, e, em caso de execução com sucesso, tornaria o país referência na sub-região do Golfo da Guiné no desígnio 2030, por excelência dos seus serviços. Composto por 4 domínios e 17 programas, abarca o quadro abrangente dos pontos chave para a reversão do quadro frágil instalado, visando reestruturar : i) a governação e liderança; ii) a gestão da prestação de serviços de saúde; iii) a racionalização da distribuição de medicamentos e introdução de tecnologias de saúde; iv) utilização de sistemas de informação sanitária e v) inovação e diversificação de sistemas de financiamento da saúde. Para o efeito, foram identificadas as áreas que devem ser priorizadas e que devem ser intervencionadas, desde a saúde sexual reprodutiva, às doenças não transmissíveis e transmissíveis até outros domínios mais específicos, como a saúde na prisão, nas forças militares e paramilitares. A sua implementação tem como base uma estrutura orçamental distribuída por 3 componentes designadamente: i) programas; ii) sistema de apoio à saúde e iii) boas praticas na saúde. Ou seja, o PNDS 2017-2021 aconselha um novo modelo de gestão.

É defendido neste plano que a implementação do mesmo envolve um esforço coordenado do Ministério da Saúde juntamente com demais stakeholders do sector,  players privados, parceiros de desenvolvimento, ONGs, sociedade civil entre outros. O plano, curiosamente, já preconiza a necessária mudança de paradigma mobilizando fontes internas e externas de financiamento, sugerindo, portanto, um novo modelo de financiamento para a área da Saúde.

Existe ainda uma Avaliação Externa Conjunta das Principais Capacidades do RSI, Regulamento Sanitário Internacional, de Maio de 2019, que ressalta a importância da articulação entre os sectores de saúde humana, saúde animal, agricultura e ambiente, como partes da abordagem “Uma Só Saúde”. Esta avaliação tinha como propósito constituir uma ferramenta operacional que permitisse ao país avançar na elaboração do Plano Nacional de Ação para a Segurança Sanitária, uma vez que faz o diagnóstico do país em matéria de prevenção, deteção e resposta, dentre outros aspetos, tendo em atenção, também, doenças zoonóticas e segurança alimentar.

Como estes, existem outros documentos que abordam um conjunto de questões pertinentes apontando pontos fortes, fracos e soluções viáveis, as quais, grande parte, não chegaram a ser minimamente implementadas.

Porém, a morosidade na implementação de recomendações, propostas, conclusões, procedimentos ou ações, no sector de saúde, pode acarretar perdas não mensuráveis, ou seja, A Vida Humana, pelo que deve constituir objetivo primordial agir para conseguir redução drástica da taxa de mortalidade no país. Exige-se assim uma visão clara, um planeamento estratégico eficaz, em que as ações de médio e longo prazo não comprometam ações de curto prazo, com impacto, evitando e acautelando mortes hoje e amanhã.

Além disso, em casos prioritários ou urgentes, a implementação de medidas e a respetiva afetação de recursos não deve depender da captação de financiamento externo cuja tramitação para candidatura é morosa, cujo timing de desembolso pode tardar face aos necessários requisitos e procedimentos junto aos parceiros de desenvolvimento. Neste sentido existem serviços que devem ser garantidos através de receitas internas, podendo posteriormente serem alocados recursos externos sempre e logo que captados. Nesta senda, importa a identificação de novas fontes e novos mecanismos de financiamento que preencham lacunas, tratando-se de um país cujo SNS revela-se precário, diante de riscos de surtos de doenças infeciosas que podem levar a epidemias e pandemias. Países com as características de STP, especialmente periféricos e vulneráveis, devem repensar, com muita profundidade, sobre os caminhos que pretendem enveredar em matéria de garantia de serviços básicos sanitários bem como o alcance de alguma resiliência face a surtos potenciais ou inevitáveis.

Importa referir que o sucesso de implementação de medidas de política na área da saúde implicará certamente alguma alteração legislativa e regulamentar e a transversalidade nas acções, envolvendo outros ministérios, sobretudo o de Trabalho e Segurança Social, da Educação, das Infraestruturas, da Agricultura e Pecuária, da Justiça, da Economia e Finanças e também o da Defesa.

Receia-se que, ao longo das últimas décadas, a oferta de serviços de saúde em STP diminuiu na diversidade e decaiu na qualidade, por não se ter modernizado, por escassez de recursos a que acresce a exponencial taxa de natalidade. Limitado pela sua exígua dimensão (física e demográfica) e insularidade, o país está cada vez mais dependente de países terceiros para financiar o seu SNS e para prestar cuidado de saúde, ainda que primários. Esclareça-se que países fortemente dependentes de serviços de saúde externos comprometem o aumento da poupança dos residentes promovendo a fuga de reservas externas. Observa-se claramente a alocação de recursos/poupanças para viagens de “turismo” de saúde, recursos que podiam ser absorvidos internamente se houvesse serviços da mesma natureza. Refira-se que a oferta de serviços de saúde, quer pública quer privada, não satisfazem as necessidades das populações sendo que a fuga de recursos para o exterior impacta negativamente em termos transversais.

Em conclusão, tendo por base a bibliografia consultada, aponta-se alguns dos muitos condicionalismos à Saúde e ao Bem-estar do cidadão santomense:

      Condicionalismos de natureza política

  • Incapacidade de promover consensos, de pensar e agir em nome da Unidade Nacional, mesmo diante de graves riscos coletivos, persistindo a cultura de bloqueios e de entraves a medidas eficientes quer do lado do governo quer dos demais partidos com assento parlamentar, nas sucessivas legislaturas;
  • Ausência de liderança estratégica num ecossistema de instituições frágeis, de recursos financeiros e humanos exíguos e de deficiente capacidade de absorção, visíveis em diversos sectores, incluindo no da Saúde;
  • Sociedade Civil incipiente e passiva;
  • População pouco ciente dos direitos que lhes assiste enquanto cidadãos.

 Condicionalismos de natureza normativa e regulamentar

  • A Lei Base da Saúde, Lei 9/2018, não define com a devida clareza um conjunto de questões, nem aprofunda o tema da gestão e financiamento do SNS;
  • Desvalorização do Plano Nacional de Desenvolvimento da Saúde como documento reitor de políticas executivas do sector de maneira a ser um instrumento orientador, coordenador e facilitador;

Condicionalismos de natureza organizacional e de gestão

  • Dificuldades na identificação de áreas prioritárias a serem intervencionadas, e fraco alinhamento entre o Ministério das Finanças e o Ministério da Saúde;
  • Dificuldades na elaboração de Relatório e Contas da Saúde em tempo oportuno, uma vez que a última publicação, de 2020, apresenta informação de 2016/2017;
  • Os gastos em saúde pública em percentagem dos gastos totais do governo geralmente muito aquém do mínimo desejável;
  • De igual modo, fraco alinhamento junto aos parceiros de desenvolvimento e questionável capacidade de absorção da Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD);
  • Falta, quantitativa e qualitativa, de infra-estruturas e tecnologias em saúde;
  • Insuficiência de Capital Humano especializado, ameaça constante de fuga dos mesmos para países mais desenvolvidos e desaproveitamento total e absoluto de quadros nas diásporas;
  • As capacidades da força de trabalho em saúde limitadas apesar da crescente necessidade de recursos devido ao crescimento da população e ao previsível crescimento do turismo;
  • Fraca segregação de funções, sem uma clara cadeia de procedimentos definida, vem aumentando riscos das más práticas e potencializando uma cultura de indefinição nas responsabilidades;
  • Morosidade na resposta a situações de urgência, deixando percepcionar falta de noção e consciência sobre os custos de oportunidade inerentes às consequências que advenham;
  • Os recursos humanos afetos às enfermarias e aos pacientes são, muitas vezes, os que têm responsabilidades no planeamento, gestão e execução das políticas, sugerindo fraca disponibilidade para um eficiente cumprimento dos objetivos preconizados;
  • Condições de trabalho de risco extremo bem como instabilidade remunerativa;
  • Inexistência de adequada assistência médica, 24h por dia, nos centros hospitalares;
  • Descentralização de serviços hospitalares sem acautelar as devidas condições básicas para o efeito;
  • Êxodo rural culminando com o aumento de riscos de salubridade na zonas urbanas, sem a devida melhoria de oferta de serviços de saúde no distrito de maior peso demográfico e muito menos nos demais distritos;
  • Fraca noção sobre o conceito “Uma Só Saúde” que reconhece que a saúde humana está intimamente ligada à saúde dos animais e ao meio ambiente, sendo que a alimentação animal, a alimentação humana, a saúde animal e humana e a contaminação ambiental estão intimamente interconectadas e correlacionadas;
  • Fracas estatísticas para o sector de saúde, dificultando os processos e os procedimentos para a captação de recursos externos de países parceiros, consequentemente, a falta de dados e seu tratamento dificultam a elaboração de projectos e limitam a decisão favorável de potenciais parceiros de desenvolvimento por questões relacionadas com transparência e accountability,  exigências habituais de dossiers de solicitação ou de candidatura que têm de  espelhar informações fidedignas as quais, internamente, se deve  poder certificar e garantir que a prestação de auxílio acontece dentro das melhores práticas internacionais.

Condicionalismos da Dupla Insularidade

  • Ausência de particular ênfase às especificidades da Região Autónoma de Príncipe, face à dupla insularidade uma vez que, de forma mais gritante, acresce a necessidade de formação e fixação de recursos humanos especializados, escassez de recursos financeiros que limitam o acesso a equipamentos médicos e medicamentos, elevado número de evacuações de utentes e precária edificação e manutenção de infra-estruturas de saúde e de tecnologias médicas por se tratar de um território geográfico ainda mais pequeno e isolado e fortemente dependente das medidas de políticas adoptadas pelo Governo Central.
  • Aspetos como a localização do Hospital da RAP, climatização, meios rolantes de assistência, meios de diagnósticos, incapacidade logística cirúrgica, acesso à saúde nas roças parecem constituir fonte de preocupação acrescida.

Tais entraves associados à falta de visão ampla e transversal, põem em causa o necessário processo de transformação em cadeia. Com efeito, propiciam a negligência a montante e à jusante, nomeadamente, em liderança, decisão, gestão, culminando assim na prestação de serviços de saúde de qualidade também questionável, dificultando a identificação de procedimentos erróneos e a necessária responsabilização.

Sector algum poderá elevar o seu desempenho enquanto persistir:

  • A insatisfatória visão transversal da maioria dos decisores de políticas públicas sobre a necessária articulação de medidas ao nível nacional para gerar um efeito em cadeia positivo;
  • A resistência em interiorizar que sem a definição de um modelo moderno e eficaz de gestão será sempre inviável conceber um modelo de financiamento que dê sustentabilidade ao SNS;
  • O incipiente envolvimento da sociedade civil neste processo, bem como da população em geral.

Neste âmbito, a educação e sensibilização, a literacia e a comunicação em Saúde jogam, hoje, um papel chave, sendo que os efeitos de curto prazo podem não ser alcançados, na íntegra, mas os de médio e longo prazo, serão CERTOS!

Conforme inspira o Plano de Desenvolvimento para Saúde, a sociedade civil joga um papel preponderante para a sua execução pelo que…

                                                                  Juntos, SOMOS+

Bem Haja, S. Tomé e Príncipe

Bibliografia Chave