O Nível de Aprendizagem das Crianças que Frequentam o 3.º Ano do Ensino Básico Deve Preocupar o País

Sónia Magalhães

Apesar do progresso no sentido de expandir o acesso, o fortalecimento da infraestrutura, contratação e formação de novos professores, os baixos níveis de aprendizagem das crianças que frequentam a escola são de grande preocupação em São Tomé e Príncipe.

Segundo o relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (2022), denominado “Are children really learning?” (“As crianças estão realmente a aprender?”), somente 24% dos alunos do 3.º ano têm competências básicas em matemática, e a proporção de estudantes com competências fundamentais na leitura é de 29%.

O referido relatório faz uma análise de dados recolhidos entre 2017 e 2021 em 32 países e territórios de baixo e médio rendimento, incluindo os lusófonos, São Tomé e Príncipe e Guiné-Bissau. Com o objetivo de perceber se os alunos do 3.º ano do Ensino Básico adquiriram competências fundamentais ao nível de leitura e de numeracia, os investigadores averiguaram que percentagem tinha as competências fundamentais esperadas no final do 2.º ano.

Os resultados revelaram que, na maioria dos países estudados, a maior parte dos estudantes não alcançou os objetivos, nem em numeracia nem em leitura, com uma media de 30% a alcançar as competências fundamentais em leitura — desde 3% na República Centro-Africana a 82% na Bielorrússia — e 18% em numeracia — menos de 1% na República Democrática do Congo e 71% na Bielorrússia. Em Guiné-Bissau, apenas 7% dos alunos do 3.º ano têm competências fundamentais em numeracia e só 11% têm competências básicas em leitura.

Para a diretora executiva da Unicef, Catherine Russell, a perturbação que a pandemia provocou na educação agravou uma “crise educativa global que já ameaçava o futuro de milhões de crianças em todo o mundo”.  

Os autores do relatório alertam, no entanto, que, em cinco países africanos, incluindo os dois lusófonos, as crianças que estão fora da escola não têm qualquer competência em leitura, sendo que em todos eles, exceto São Tomé e Príncipe, pelo menos uma em cada sete crianças está fora do sistema de ensino.

Apesar do progresso no sentido de expandir o acesso, o fortalecimento da infraestrutura, contratação e formação de novos professores, os baixos níveis de aprendizagem das crianças que frequentam a escola são de grande preocupação em São Tomé e Príncipe.

Organização Ensino Básico  segundo a Lei n.º 4/2018 Lei de Bases do Sistema Educativo de São Tomé e Príncipe, Artigo 11.º.

  1. O Ensino Básico compreende três ciclos sequenciais, sendo o 1.º de quatro anos; o 2.º de dois anos e o 3.º de três anos- com a duração de 9 anos organizados nos seguintes termos:
  2. a) O 1.º Ciclo, de 1.ª à 4.ª classe, é globalizante e assegurado em regime de monodocência, podendo o Professor ser coadjuvado em áreas;
  3. b) O 2.º Ciclo, 5.ª e 6.ª classes, organiza-se por disciplinas e é assegurado em regime de pluridocência;
  4. c) O 3.º Ciclo, de 7.ª à 9.ª classe, organiza-se por disciplinas e é assegurado em regime de pluridocência.

Uma breve leitura sobre o desempenho dos alunos do 3.º ano do Ensino Básico de São Tomé e Príncipe, no referido relatório, permite-nos enumerar alguns fatores que poderão estar na causa do fraco desempenho dos alunos ao nível de competências básicas em matemática e na leitura.

  1. As políticas educativas para o ensino de língua portuguesa não leva em consideração que a língua portuguesa não é a língua materna de São Tomé e Príncipe. A língua continua a ser ensinada como se de língua materna se tratasse, ou seja, não existe uma abordagem metodológica de ensino do português como língua não materna ou outra metodologia que seja adequada à realidade sociolinguística dos alunos;
  2. Fatores de natureza estrutural, como por exemplo: política educativa pouco eficaz e não concertada com a realidade educativa; plano curricular desajustado à realidade socioeducativa; turmas numerosas; falta de materiais didáticos adequados, sobretudo os manuais, e falta de formação contínua dos professores;
  1. Sistema de avaliação do Ensino Básico (“Passagem Administrativas ”): no primeiro ciclo do Ensino Básico a “Passagem Administrativa” ocorre na 1ª e 3ª classe. Na 2ª classe não tem exames, mas tem reprovação e 4ª classe os alunos têm dispensa e exames. Contudo, para aprovarem para 3ª classe, numa escala de 100 valores apenas precisam atingir 30 valores, desde que não seja, em língua portuguesa e em matemática ao mesmo tempo.  Na 2ª e 4ª classe para a disciplina de matemática os critérios de avaliação são: prova 90% e empenho 10%, em língua portuguesa a prova vale 70%; expressão oral 20% e empenho 10%.

A pesquisa da Unicef foi realizada entre 2017 e 2021.  Vamos apresentar um exemplo para elucidar sobre a questão, tendo em consideração o sistema de avaliação do  1º ciclo do Ensino Básico em São Tomé e Príncipe.

O aluno João Silva (nome fictício), atualmente na 4ª classe entrou para a 1º classe no ano letivo 2018-2019 e beneficiou de uma passagem administrativa para 2ª classe, no ano letivo 2019-2020. Deveria ter avaliação mas, por causa da pandemia da covid 19, beneficiou de mais uma passagem administrativa, no ano letivo seguinte 2020-2021. Já na 3ª classe, o sistema confere-lhe mais uma passagem administrativa para 4ª classe.

Por outro lado, os pesquisadores concluíram que mesmo antes da pandemia era questionável se os alunos estavam realmente a aprender. Esta conclusão, nos leva a repensar a qualidade do ensino.

A Unicef defende que “são precisos esforços para melhorar as competências educativas básicas para todas as crianças, com particular atenção às mais vulneráveis, que não estão na escola e são privadas da oportunidade de aprender”. No caso particular de São Tomé e Príncipe, acreditamos que precisamos de repensar na qualidade do ensino, criando condições para melhorar o processo de ensino e aprendizagem e adaptá-lo à realidade socioeducativa dos alunos.

Professora Doutora Sónia dos Reis Magalhães

Docente do Instituto Superior de Educação e Comunicação (ISEC-STP)