Análise FOFA da Proposta de Reintegração de São Tomé e Príncipe na Soberania Portuguesa

Alcídio Montoia

Persiste no ideário nacional que os resultados menos bons da independência pouco ou nada têm que ver com a pequena dimensão do país, mas sim com a má gestão dos recursos, alegando ainda que países de muito maior dimensão em África não têm conseguido melhores resultados.

Perder a soberania a favor de Portugal seria uma desonra, uma “traição àqueles que tanto lutaram pela independência” e um regresso a um quadro neo-colonial.

Os Pressupostos:

Dada a sua muito pequena dimensão, territorial e populacional, a plena soberania constitui sério entrave ao desenvolvimento, numa base sustentada, do território e dos seus habitantes e não assegura adequadamente a salvaguarda da identidade do seu povo no longo-prazo.

Possivelmente, em 1974 um sentimento de cidadania truncada ou incompleta, foi catapultado para um desejo, pouco esclarecido e mal fundamentado, de independência total, em detrimento de qualquer outra solução.

A independência total tinha como suporte ideológico a necessidade de libertar, independentemente da história e génese dos territórios, toda e qualquer parcela do continente africano do jugo colonial perpetrado pelos países europeus e seus aliados, principal responsável pelo atraso económico e social em África. Removendo esse constrangimento, o desenvolvimento em África seria algo natural. No caso específico de STP esse pressuposto encontrava respaldo, sobretudo, no muito expectável crescimento de Angola, território de elevadíssimo potencial e com o qual as ilhas tinham fortes e longevas ligações económicas e outras no quadro colonial. Sem entrar nas causas, constata-se que esse cenário não se concretizou, bem pelo contrário.

Incapaz de se adaptar aos desafios pelos seus próprios meios e refém dos princípios ideológicos que prevaleceram em 1975, a sociedade santomense deixou-se cair num impasse do qual não parece capaz de ultrapassar, contribuindo para um complexo quadro de degradação política, económica e social que poderá descambar no falhanço da sociedade, abrindo portas a projetos inorgânicos de poderes difusos que poderão culminar na transformação de STP num estado pária, narco-estado ou qualquer outro modelo que não podemos antever, mas que será necessariamente mau para a sociedade.   

 

A Análise:

Pontos Fortes / Oportunidades

  • STP passa a integrar um espaço geográfico atlântico, com instituições democráticas consolidadas, quadro que permitiria, num quadro de região autónoma, fortalecer o estado de direito democrático e as instituições que lhe dão suporte.
  • A abdicação das funções de soberania (relações externa, segurança interna e externa) seria compensada pela representação, proporcional à dimensão geográfica e demográfica de STP, dos santomenses nos órgãos de soberania da República Portuguesa, incluindo órgão supranacionais da UE.
  • As potenciais poupanças decorrentes da descontinuação dos encargos com as funções de soberania (relações externas, justiça, segurança interna e externa) poderiam ser canalizadas para aplicação em áreas que mais diretamente impactam no bem-estar do cidadão (educação, saúde, construção de infraestruturas, incentivos ao setor empresarial, promoção do emprego, apoios sociais, etc.).
  • Do ponto anterior resultaria também um maior compromisso dos políticos locais para com a população nos aspetos referidos e necessidade de maior enfoque dos mesmos naquilo que é essencial para as pessoas, em detrimento de exercícios de representação que nada impactam no dia-a-dia das populações e que se limitam a alimentar egos e vaidades pessoais.
  • Num enquadramento institucional mais estável e seguro, o território de STP passaria a ser encarado com outros olhos pelos investidores, sobretudo aqueles privilegiam estes fatores nas suas decisões de investimento, sejam eles de países desenvolvidos ou mesmo de países africanos e de outras paragens.
  • A tradicional instabilidade política passaria a ter um controlo direto da República Portuguesa (na qual STP estaria também representada ao mais alto nível, afastando os habituais fantasmas do neo-colonialismo), afastando cenários de violência grave no combate político.
  • A garantia de solidariedade entre cada parcela da república, constitucionalmente consagrada na Constituição Portuguesa.
  • Aproveitar sinergias da integração num território mais vasto, com realce para acesso a documentos, estudos, investigação, sem necessidade de recorrer aos elevados custos com traduções e adaptações ao país e isso para não falar da livre circulação de pessoas e de bens.
  • A livre circulação nos países do Espaço Schengen, para além da vantagem de ter um passaporte com muito poucas restrições, que fazem dele um dos mais procurados para contrafação.
  • A maior distância física de STP em relação aos restantes territórios que constituem Portugal, permite um maior grau de autonomia e posicionamento de STP para participar ativamente na definição da política externa de Portugal para a região em que STP está inserido.
  • Presentemente, os interesses portugueses controlam uma grande fatia da economia de STP (ligações aéreas incluindo a STP Airways, a banca, turismo, comércio externo, comércio interno), Portugal financia parte relevante da administração pública e sustenta a paridade da moeda nacional com o Euro. Essa nossa dependência em relação a Portugal pouca ou nenhuma interdependência gera e deixa STP com pouca ou nenhuma margem de influência em relação à política portuguesa. Estranhamente, a reintegração de STP em Portugal como região autónoma iria corrigir esse desequilíbrio.
  • STP é um território com população pequena, mas jovem e com satisfatórios índices de instrução, proporcionando potencial espaço para investimentos em áreas como o turismo, a agricultura, economia do mar, para além de captação de fundos europeus para o desenvolvimento e coesão de regiões ultraperiféricas da UE, por um período muito considerável de tempo (30 anos, seguramente) e montantes substancialmente superiores aos disponibilizados no quadro dos países ACP.
  • A constituição portuguesa e enquadramento jurídico-institucional da UE garantem um quadro muito avançado de respeito pelas diferenças étnico-culturais, sendo que o racismo já está consagrado como crime no ordenamento jurídico de Portugal.
  • A identidade de STP foi formada, desde a sua génese, sob a soberania portuguesa durante mais de 5 séculos, pelo que os povos se conhecem, partilham aspetos socioculturais, pelo que o impacto da integração de STP como região autónoma de Portugal não seria particularmente problemática, se acauteladas devidamente os erros de um passado não muito longínquo. De notar que a nossa tão propalada identidade sociocultural foi forjada num ambiente colonial e nem por isso deixou de afirmar durante mais de 5 séculos.
  • A necessidade de recursos, venham eles de onde vierem, levou o país a abraçar, muitas vezes exclusivamente por razões financeiras, a formação de quadros sem antes avaliar necessidades e, sobretudo o futuro enquadramento de formados e a equivalência dos cursos. O mesmo se aplica à função pública, que é hoje uma manta de retalhos com contribuições, nem sempre compatíveis de abordagens de variadas paragens. A integração num único espaço bem consolidado iria permitir a mitigação destes riscos e dar maior coerência tecno-administrativa a STP.
  • Apesar de, aparentemente, permitir maior grau de liberdade, a verdade é que a independência tem gerado sobretudo incoerência no posicionamento do país no mundo e levado a uma diplomacia de cheque por apoio, demonstrando bem a incapacidade, dados os elevados custos, de manter presença diplomática relevante no mundo. Passar a ter à disposição uma interessante rede de embaixadas e consulados na generalidade de países em que há presença relevante de santomenses constitui, sem dúvida, uma mais-valia num contexto de região autónoma.
  • Admitindo que das pesquisas em curso de petróleo resulte na descoberta de poços economicamente viáveis, ainda assim poderá ser interessante a integração de STP com Portugal, pois isso iria aumentar significativamente o peso político-económico no país, projetando mais rapidamente a importância e influência de STP, para além de permitir acesso a negociadores e decisores mais bem preparados.
  • Estudos apontam que, mesmo com diferenças socioculturais acentuadas e muito distantes de centros de decisão, nações insulares de muito pequena dimensão têm mais chances de se desenvolverem se integrados numa soberania mais alargada e mais desenvolvida.
  • A integração africana é um processo de muito longo prazo e, como disse Keynes, no longo prazo estaremos todos mortos, pelo que STP deve procurar alternativas de integração fora do continente, sem que isso possa ser visto, necessariamente, como uma ameaça para África, mas antes como uma importante oportunidade (a presença de fronteiras europeias à porta de casa poderia contribuir para definição de mais facilidades para os países nossos vizinhos).
  • A inclusão de STP como território português potencia aumento do peso estratégico de Portugal e da UE no Atlântico.

Pontos Fracos/Ameaças

  • Ainda é muito forte e recente o sentimento nacionalista que levou à independência. Persiste no ideário nacional que os resultados menos bons da independência pouco ou nada têm que ver com a pequena dimensão do país, mas sim com a má gestão dos recursos, alegando ainda que países de muito maior dimensão em África não têm conseguido melhores resultados.
  • Perder a soberania a favor de Portugal seria uma desonra, uma “traição àqueles que tanto lutaram pela independência” e um regresso a um quadro neo-colonial.
  • Ficar sem representação no concerto das nações, perder assento na ONU e outros órgãos supranacionais, mesmo sabendo que o não cumprimento das obrigações financeiras não tem permitido ao país retirar proveitos significativos dessa pertença.
  • As atuais dependências e constrangimentos ao exercício pleno da soberania podem ser apenas transitórios, pelo que é contraproducente alienar esse ativo a favor de terceiros.
  • Apesar dos francos sinais de melhoria, a sociedade portuguesa ainda está muito marcada por comportamentos racistas e tiques de “dono de império”, mesmo ao nível institucional, sendo que uma integração de STP poderia dar cobertura às teses racistas sobre o “fracasso africano” e “supremacia do homem branco”. Acresce o fenómeno de crescimento do peso eleitoral de partidos próximos da extrema-direita (racista e xenófoba).
  • STP ver-se-ia, do dia para noite, confrontado com a concorrência direta de sociedades mais preparadas, pelo que os santomenses seriam inevitavelmente subjugados e remetidos para empregos menos qualificados e mal pagos e encarados como cidadãos de segunda categoria.
  • Factor “uma vez fora, a pasta de dentes não volta para o tubo/bisnaga”.
  • Afunilamento de soluções e aparente redução de graus de liberdade.
  • A representação e participação de STP na soberania portuguesa seria na ordem de 3 a 4 deputados num parlamento com mais de 260 deputados, sendo que em relação aos órgãos europeus essa representação seria ainda mais diminuta e menos provável.
  • A baixa probabilidade de um cidadão não branco e originário de STP poder chegar a cargos de topo na administração portuguesa (ser PR, PM, presidente da AR ou do STJ).
  • STP, para além da desvantagem de não ter as mesmas afinidades étnico-culturais que têm as outras 2 regiões autónomas (Açores e Madeira), está geograficamente mais longe e num enquadramento regional étnico-cultural muito diverso.
  • Os portugueses continentais e também os das regiões autónomas poderão encarar a integração de STP como um peso-morto a acrescer aos atuais problemas que Portugal tem para resolver, agravada pelo longo historial de instabilidade que sempre marcou STP desde a constituição dessa sociedade (STP apenas em raros momentos foi económica e socialmente interessante do ponto de vista de Portugal).
  • O dossier petróleo ainda não está fechado, pelo que uma eventual descoberta de crude poderá resolver os constrangimentos financeiros que têm dificultado o desenvolvimento de STP.
  • A (re)integração de STP em Portugal poderia criar tensões diplomáticas com países vizinhos (Nigéria, Camarões e Angola) que se veriam de um momento para outro com fronteiras europeias à porta de casa. Poderá haver tentação de algum destes países arriscar uma anexação de STP com apoio de uma parte da sociedade que preferiria uma anexão africana a uma europeia.