A Região Autónoma do Príncipe na Inércia de um Futuro Promissor

Falar de subvenções, à primeira vista, pode ser uma solução para as inúmeras dificuldades escondidas na região, no entanto, só por si, elas não resolvem assimetrias mais profundas e mais injustas.

Até à data, as autoridades governamentais não conseguem garantir mobilidade aérea nem marítima condignas, seguras e constantes aos seus habitantes/residentes, sim, habitantes, porque julgo serem a prioridade, o primeiro facto.

Isabel Santos

Em quarenta e seis anos de Independência Nacional e dezasseis anos de Autonomia Regional, a Região Autónoma do Príncipe (RAP) permanece praticamente toda ela com as infraestruturas degradadas deixadas pela colonização portuguesa, não se verifica infraestruturação de destaque construída pelo Governo Regional/Nacional, nem sequer um alargamento significativo da cidade, apenas alguns projetos, “pequenos“, para a criação de “novas cidades” – zonas habitáveis -, em andamento.

O segundo facto, que não se compreende, é que não exista um centro de stocagen de combustível autónomo, que racionalize a gestão de combustíveis localmente, que mitigue a sistemática ruptura do stock e, consequentemente, a flutuação dos preços dos combustíveis no mercado regional, bem como, por arrastamento, de diversos produtos, alguns, ditos de primeira necessidade, que espontaneamente sofrem alteração, muitas vezes injustificáveis, sem que haja uma verdadeira fiscalização das autoridades competentes. Ato revoltante que coloca invariavelmente à subsistência, e até à sobrevivência, com o mínimo indispensável para muitos que lá habitam / residem.

Falar de subvenções, à primeira vista, pode ser uma solução para as inúmeras dificuldades escondidas na região, no entanto, só por si, elas não resolvem assimetrias mais profundas e mais injustas. Entenda-se, por exemplo: a falta de comparticipação nos transportes inter-ilhas existentes, ainda que precários para os que lá vivem; a falta de comparticipação nos estudos, para aqueles que efetivamente reúnam as condições académicas (que não exclusivamente financeiras) e queiram prosseguir os seus estudos na Ilha maior (S.Tomé).

A isto, somamos o terceiro facto discriminatório, o que marca, estrutura e sustenta todas as restantes assimetrias, a igualdade de oportunidades, inexistente para os nativos do Príncipe, que reflecte-se nos acessos à cargos políticos, aos concursos públicos, ao emprego, às bolsas de estudo e de formação profissional, aos incentivos ao investimentos (desvantagem mais acentuado na RAP), aos programas e projectos de incentivo a empregabilidade jovem, entre outros.

Numa visão, profunda, mais pessimista, verifica-se ainda na ilha do Príncipe uma acelerada perda de identidade e de sentido de pertença no geral, com reflexos evidentes na percepção no baixo nível de qualidade de vida e nos índices de desenvolvimento humano, desde a elevada taxa de gravidez na adolescência, ao excessivo consumo de bebidas alcoólicas, ao alto índice de poligamia e de famílias monoparentais, até a má distribuição de riqueza por parte dos sucessivos poderes políticos ancorados numa economia depressiva.

Acreditamos que exista uma mescla de características nutridoras da visão pessimista acima descrita, que têm origem em factores comportamentais, como: comodismo exacerbado, marasmo, desinteresse, inércia e falta de atitude individual e coletiva associada à fraca capacidade de o Estado gerar e promover criação de riqueza, tudo isso e o somatório de outros factores, tem levado a ilha cada vez mais para um “beco sem saída” existencial.

Não obstante a educação ser o pilar do desenvolvimento, creio que atualmente existam mais elementos chaves que poderiam ser impulsionadores económicos da RAP:

– A valorização dos produtos e bens regionais, isto é, atribuir maior importância, cuidar, e ter mais cuidado, o que é da região – acredito que a mesma estará associada à identidade regional, sentimento de ligação e de pertença, pela via económica. Na verdade, quando gostamos de alguém ou alguma coisa, tendemos a dar-lhe mais valor;

– A aposta no modelo desenvolvimento económico local / distrital ou regional, isto é, cada distrito / região do País potencializar aquilo que lhe é mais abundante. Aplicaríamos aqui, se calhar, à famosa teoria das vantagens absolutas do comércio internacional, defendida por Adam Smith[1], “…cada distrito/região deve especializar-se (completamente) no (s) produto (s) em que tem vantagem (ns) absoluta (s) em termos de custos (ou produtividade), ou seja, em que o número de horas de trabalho requerido para a sua produção é menor…”.

Quando olhamos para RAP verificamos que, não obstante o fenómeno da dupla insularidade que impende sobre a ilha e que reflecte significativamente no custo de vida da população local, ainda assim, verificamos, paradoxal e igualmente, que quase todos os nacionais, sobretudo os dirigentes políticos e empresários que visitam a ilha do Príncipe, regressam para São Tomé com malas térmicas cheias de peixe. Isto porque o pescado na ilha é muito mais barato. Excesso de oferta, pouca procura e ou a exiguidade do mercado regional em relação a São Tomé estarão na base. Sim, de facto! Mas, ainda assim, existem alguns fatores associados à prática de captura de pescado da região que o colocará sempre em vantagem se comparando com São Tomé.

Na RAP, a produção variada (espécies de peixes, frescos e salgados) de pescado de alta qualidade é visível e percepcionável, mas ao mesmo tempo, incompreensivelmente, banalizada pela população local e quiçá pelo próprio Governo Regional / Estado.

Acredito que havendo maior investimento ou alocação de recursos para transformação da ilha do Príncipe num pequeno hub, num centro de produção de transformação do pescado com intuito de abastecer o mercado interno e conquistar determinados mercados externos, consubstanciaria num impulso ao desenvolvimento regional, para além de mitigar as flutuações dos preços do pescado no mercado interno devido à falta de garantia da oferta ao longo de todo ano, também promoveria a oferta de emprego, daria maior poder de compra à população e, consequentemente, geraria mais receitas para o Estado.

Portanto, acredito que a aposta na economia do mar, através de sistema de pescas semi-industrial suportado por um centro de conservação e transformação de pescado, poderá ser o pontapé de saída para alavancar a economia regional e diminuir a dependência centralista e insularista.

Numa ilha naturalmente generosa, ímpar, com potencialidades bio sustentáveis devidamente reconhecidas internacionalmente, onde vai havendo uma corrente (ainda que reduzida, mas histórica) que defende a total independência da Região Autónoma do Príncipe, que deve constituir claramente um alerta para os decisores políticos, é tempo e oportunidade de repensar-se uma melhor estratégia política, administrativa e financeira, local e nacionalmente, que, de facto, culmine numa visão consensual e estruturante para um verdadeiro desenvolvimento adiado.

[1] Filósofo e economista britânico, 1776.