Um Olhar Sobre o Percurso Económico de São Tomé e Príncipe (1975-2020)

Maria do Carmo Silveira

INTRODUÇÃO

Passados mais de 45 anos após a conquista da independência nacional, falar de São Tomé e Príncipe constitui uma desilusão para muitos são-tomenses. O país é tido por muitos como um Estado falhado e boa parte dos são-tomenses deixou de acreditar no país e na classe dirigente. A falta de perspetivas de desenvolvimento tem levado muitos nacionais, principalmente os mais jovens, a emigrarem-se esvaziando o país de uma parte importante do seu potencial de recursos humanos. Quando comparado com outros países com características similares, os indicadores socioeconómicos de São Tomé e Príncipe revelam uma total incapacidade do país de lidar com as suas inerentes características estruturais, levando, muitas vezes, ao questionamento sobre as possibilidades de viabilização económica destas ilhas. No entanto, parece evidente que a degradação das condições de vida da população e o nível de subdesenvolvimento em que se encontra o país não são alheios às opções estratégicas e políticas públicas seguidas ao longo de décadas.

A presente reflexão pretende analisar o percurso económico de São Tomé e Príncipe ao longo dos 45 anos de sua existência enquanto País independente, avaliar os resultados alcançados e lançar pistas de reflexão sobre o futuro. Trata-se de “um olhar sobre o passado com olhos do presente”, ciente de que é sempre possível aprender com o passado, além de constituir um convite a um exercício coletivo de autoconhecimento, indispensável para que o País possa aproveitar melhor as oportunidades de cada momento, para que cada etapa subsequente seja, sempre, incremental.

UM OLHAR SOBRE O PERCURSO ECONÓMICO DE SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE (1975-2020)

São Tomé e Príncipe é um pequeno Estado arquipelágico, constituído por duas ilhas, a de São Tomé e a do Príncipe e alguns ilhéus, perfazendo uma superfície total de 1001Km2 e uma população de cerca de 200 mil habitantes, sendo por isso, um dos mais pequenos Estados do mundo e o segundo mais pequeno de África, depois das ilhas Seychelles. Está situado no Golfo da Guiné a 350 km da costa africana, com uma zona económica exclusiva de 160.000 km2. A sua localização no ponto de interceção entre a linha do Equador e o meridiano de Greenwich confere-o uma posição geoestratégica privilegiada.

 Como sabemos, o processo de descolonização de São Tomé e Príncipe ocorreu num contexto de grande influência da conjuntura internacional marcada por um mundo, vincadamente, bipolar e pelo apoio da, então, União Soviética aos movimentos pró-independentistas dos anos 1960 e 1970. Por conseguinte, os fortes apoios recebidos dos países socialistas durante o processo de descolonização foram determinantes na opção estratégica e nas políticas públicas seguidas por São Tomé e Príncipe independente.

Assim, em linha com as tendências da época, São Tomé e Príncipe seguiu a via não capitalista de desenvolvimento, de certa forma, alinhado com as Teorias da Dependência que advogavam uma rotura com o sistema capitalista que era visto como o principal fator de atraso dos Países Menos Desenvolvidos. Assim, sob a orientação do Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe (MLSTP) foi instituído um regime político monopartidário, um sistema partido-Estado constitucionalmente estabelecido, a chamada 1ª República.

Do ponto de vista da gestão económica, a 1ª República seguiu um modelo de economia de orientação socialista, caracterizado pelo sistema de planeamento económico centralizado, com os processos económicos administrados através de planos quinquenais, que terá levado à nacionalização de todas as principais plantações (principal fonte de divisas do País) e transformadas em empresas estatais agropecuárias. A estratégia de desenvolvimento adotada priorizou o setor agrícola como principal fonte de riqueza, ao que não foi alheio o próprio processo histórico. A nacionalização das plantações afetou todos os proprietários de terras com mais de 200 hectares, o que levou a que mais de 80% das terras cultiváveis pertencentes aos antigos colonos passassem à propriedade pública.

Como prioridade igualmente importante para o governo do pós-independência foi a criação de emprego, tendo, nesta perspetiva, sido criadas empresas públicas que cobriram um amplo espetro económico: transporte público (incluindo aéreo), industria hoteleira, de retalho e manufatura, serviços de importação e exportação, agricultura, portos e serviços marítimos, energia, serviços bancários, tendo o Estado se tornado o principal ator económico e o principal empregador, a par do seu papel de regulador.

O monopólio das exportações e importações do País passou a ser detido pela, então criada, companhia de comércio externo (a Ecomex), ao passo que outra empresa pública (a Ecomin) controlava o fornecimento de produtos às roças e a rede de comércio local. Todos os preços eram fixados pelo Estado que subsidiava os produtos de primeira necessidade. Com efeito, o predomínio do Estado na economia estava, claramente, ressalvado na Constituição da República que estabelecia que o setor do Estado é o elemento preponderante e dinamizador da economia nacional.

As consequências da excessiva centralização da economia do pós-independência também foram extensivas ao sistema financeiro nacional, então constituído pelo Banco Nacional de São Tomé e Príncipe (BNSTP), o banco emissor, pela Caixa Popular, uma pequena instituição de poupança e uma companhia de seguros (A Compensadora). O BNSTP era o banqueiro do Estado, gestor da dívida externa e das reservas cambiais do país, cabendo-lhe igualmente as funções de banco de desenvolvimento, estando, fundamentalmente, orientado para financiar os contínuos défices orçamentais destinados ao pagamento de salários, o que terá feito mediante sucessivas emissões primárias e com as consequentes pressões sobre o aumento da taxa de inflação e a depreciação da moeda nacional, a Dobra. A política fiscal de natureza expansionista era destinada a promover a criação de emprego e providenciar bens públicos e a política monetária caracterizada pela monetização do défice. Na opinião do FMI (1997), esta situação terá constituído uma das maiores fraquezas do sistema financeiro de então.

No âmbito social, foi instituído um sistema de acesso gratuito ao ensino e à assistência médica e medicamentosa, um sistema de Estado-providência. Desenvolveu-se um vasto programa de alfabetização da população. Iniciou-se um programa de alojamento social (os prédios situados na avenida Kwame N’Kruma, no Riboque, atrás do Parque Popular e as casas pré-fabricadas são exemplos disso). As crianças e a primeira infância mereceram atenção particular e a temática da emancipação da mulher galvanizou as mulheres para uma participação ativa no desenvolvimento do país.

Assim, o regime instituído no pós-independência ensaiou um conjunto de políticas tendentes a satisfazer aquilo que era entendido como os anseios e necessidades da população, tendo-se lançado em programas audaciosos sob o plano económico, criando empresas controladas pelo Estado, com elevado grau de centralização e subvenções governamentais, muitas, das quais, com a função principal de criação de postos de emprego.

Entretanto, a partir da segunda metade da década de 1980 a situação económica do país começou a deteriorar-se: as empresas públicas entraram em falência; as contas fiscais revelavam um elevado défice, financiado essencialmente pelo BNSTP; faltavam produtos de 1ª necessidade no mercado. A produção do cacau caiu, consideravelmente. Como corolário, o contexto macroeconómico caracterizava-se por profundos desequilíbrios internos e externos, com os indicadores a registarem tendências extremamente preocupantes. Tanto o défice fiscal como da balança de pagamentos representaram, em média, mais de 50% do PIB em 1985. A dívida externa ascendia a US$ 86,2 milhões, correspondendo a cerca de US$ 750 por habitante. O FMI aponta um conjunto de fatores como principais responsáveis pela degradação da situação económica, a partir de 1980: a sobrevalorização da taxa de câmbio, a falta de disciplina e rigor nas finanças públicas, a ausência de prioridades nos investimentos no setor produtivo, o laxismo das políticas monetárias e de crédito, bem como um sistema de incentivos completamente distorcidos. Instalou-se a escassez de divisas no mercado e o governo não teve outra alternativa que não recorrer ao apoio do FMI e do Banco Mundial no âmbito dos Programas de Ajustamento Estrutural (PAE) que estas organizações impunham aos países com problemas graves de desequilíbrios macroeconómicos e da balança de pagamentos.

Assim, fracassado o papel do Estado como dinamizador da economia, face aos profundos desequilíbrios macroeconómicos e à difícil situação da generalidade das empresas públicas, em 1985 dá-se início ao processo de liberalização da economia através de um conjunto de reformas que visavam atrair investimentos externos e apoiar a canalização da ajuda externa. Em 1987 é assinado o 1º PAE, tendo por objetivo o saneamento e a liberalização económica. Neste âmbito procedeu-se a privatização e a liquidação de empresas públicas, as atividades do comércio externo foram liberalizados, assim como os preços, incluindo a taxa de câmbio (a 1ª vaga de reformas).

A fase de liberalização económica viria a ganhar novo fôlego a partir de 1991 com a instauração de um sistema de democracia pluralista, a chamada 2ª República. A partir de então foram negociados sucessivos PAE, tendo sempre por objetivo aumentar a eficiência e a competitividade da economia.

A mudança para o multipartidarismo parece ter sido consequência do reconhecimento da ineficácia do modelo inicialmente adotado, cujo resultado se traduziu no fraco desempenho económico e na contestação interna. A nova Constituição, referendada em 1990, estabeleceu o princípio de separação de poderes entre os órgãos de soberania e passou a garantir o pluralismo político, os direitos civis, o direito à greve e à propriedade privada, entre outros. Por conseguinte, aos cidadãos passou a ser reconhecida a liberdade de expressão, de consciência, de manifestação e associação.

 As reformas económicas implementadas a partir de então eram destinadas à progressiva eliminação dos subsídios aos produtos de primeira necessidade, ao afastamento do Estado da atividade produtiva, à correção dos desequilíbrios macroeconómicos, à melhoria da produtividade dos investimentos públicos e à criação de incentivos ao crescimento económico (a 2ª geração de reformas).

No setor agrícola, o governo procurou transformar a economia das plantações numa nova estrutura dominada por pequenos e médios agricultores (a 2ª reforma agrária). Mais de dois terços das terras plantadas foram redistribuídas aos pequenos e médios agricultores, mas as medidas implementadas não conseguiram diversificar as exportações nem aumentar as receitas de exportação agrícola.

Desencadeou-se, também, a reforma do sistema financeiro que levou a liquidação do BNSTP e da Caixa Nacional de Poupança e Crédito e a institucionalização do Banco Central de São Tomé e Príncipe com funções exclusivas de banco emissor, de autoridade monetária e de supervisão do sistema financeiro. A Lei das Instituições Financeiras (Lei 9/1992), publicada em 1992, passa a definir as condições para o exercício da atividade bancária no país e abre caminho para a entrada no mercado de vários bancos. Seguiu-se a publicação da Lei-Quadro da atividade seguradora (a Lei 47/98 de 1 de julho) e, mais recentemente, o Regime Jurídico de Microfinanças (a Lei 16/2018 de 03 de setembro).

A nova Lei Cambial (Decreto-Lei 32/99 de 03 de setembro) liberaliza a conta corrente da balança de pagamentos, eliminando a obrigatoriedade de autorização para operações de invisíveis correntes, estabelece as bases para o funcionamento de casas de câmbio e deixa as operações de capital para apreciação caso a caso por parte do Banco Central.

São Tomé e Príncipe também experimentou vários regimes cambiais. O regime de taxa de câmbio fixo ao Direito Especial de Saque (DES), adotado no pós-independência, viria a ser substituído, na década de 1980, por outro indexado a um cabaz de moedas estrangeiras, face à crescente sobrevalorização da moeda nacional observada na altura. Este regime, por sua vez, ao revelar-se inadequado para conter os elevados de níveis de apreciação real da Dobra, foi por recomendação do FMI substituído em 1994 por um regime de minidesvalorizações deslizantes (crawling peg). Entretanto, tal regime também viria a revelar-se totalmente inadequado devido a espiral inflacionista desencadeada logo após a sua adoção, tendo sido rapidamente substituído por outro de flutuação gerida (dirty floating) que vigorou entre 1995 e 2008.

Neste novo regime cambial (dirty floating), as taxas de câmbio eram estabelecidas em função da oferta e da procura de divisas no mercado, o que em face da indisciplina na gestão orçamental reinante e da escassez de divisas no mercado, terá também levado a uma instabilidade macroeconómica sem precedentes, nomeadamente, em termos de inflação importada. No final da década de 1990, a Dobra terá atingido um nível record de depreciação (145% em 1998) com a inflação a atingir 97% no mesmo ano. Digno de realce foi o período entre 2000-2003 em que, fruto de uma melhor coordenação das políticas fiscal e monetária, tanto a depreciação cambial como a inflação se situaram em níveis de um dígito, o seu nível mais baixo de todo o período de vigência de tal regime.

No entanto, o contexto macroeconómico vivido em finais da década de 1990 e inícios da seguinte era marcado por picos de inflação significativos, associado em larga medida aos desequilíbrios macroeconómicos fundamentais, com o aumento da procura da moeda estrangeira a repercutir-se na depreciação da moeda nacional. Por conseguinte, um estudo realizado em 2008 sugeriu a possibilidade de o regime de câmbio flexível em vigor, na altura, estar a contribuir para o referido fenómeno ou pelo menos, não se revelar suficientemente eficaz, quanto seria desejável, no apoio à estabilidade de preços (CIAD, 2007). Atendendo as características estruturais da economia santomense e o seu nível de abertura e de dependência em relação ao exterior, a adoção de uma âncora nominal poderia reduzir a incerteza cambial, sem custos significativos relativos ao abandono da política monetária.

É nesta perspetiva que se enquadra a ancoragem da Dobra ao Euro, consubstanciada num Acordo de Cooperação Económica (ACE) assinado em 2009 entre São Tomé e Príncipe e Portugal, no âmbito do qual a moeda nacional, a Dobra, passa a estar vinculada ao Euro suportado pelo Tesouro português. O ACE prevê uma facilidade de crédito limitada do Tesouro português para apoiar a balança de pagamentos de São Tomé e Príncipe. A este coube a adoção unilateral de um regime cambial de taxa fixa em relação ao Euro e a introdução e manutenção de orientações de política económica compatíveis com a preservação da estabilidade macroeconómica e financeira. A adoção por parte de São Tomé e Príncipe dos critérios de convergência macroeconómica do Tratado de Maastricht serve como critério de aferição geral do rumo das políticas macroeconómicas, ou seja, para garantir a sustentabilidade da paridade cambial.

A linha de crédito até ao montante de €25 milhões, destina-se a apoiar a balança de pagamentos de São Tomé e Príncipe, a título de mobilização antecipada de receitas cambiais próprias com entrada prevista no respetivo exercício económico. Pode ser utilizada para financiamento de importações de bens e serviços, bem como para a liquidação da dívida externa, estando a sua utilização condicionada ao correto funcionamento do Acordo e a situações de escassez de reservas cambiais, considerando-se, para o efeito, uma situação em que os ativos externos líquidos do Banco Central de São Tomé e Príncipe sejam inferiores a 3 meses de importações de bens e serviços. Uma vez que a linha de crédito se propunha assegurar os movimentos de capital e a transferibilidade de recursos entre os dois países, estariam assim criadas as condições necessárias para o fomento do comércio e de investimentos entre as duas economias. No entanto, a fraca atratividade da economia são-tomense pode estar a determinar o reduzido fluxo de comércio e de investimentos verificado entre ambas as economias.

Relativamente à paridade entre a Dobra e o Euro, à data da assinatura do ACE esta foi fixada em Db 24500/Euro, tendo passado para Db 24,5/ Euro após a reforma monetária ocorrida em 2018 que eliminou três zeros nas denominações da Dobra. O contributo da paridade fixa na estabilização macroeconómica é traduzido na redução da incerteza cambial, fator que pode potenciar relações económicas estáveis e de longo prazo entre países. A taxa de câmbio mantém a paridade inicialmente estabelecida, o que tem contribuído para um relativo controlo da inflação, cuja taxa média anual passou de 27% em 2008 para se situar próximo dos 7% entre 2015 e 2019 (BCSTP).

Outras medidas implementadas visavam a melhoria da capacidade institucional e a consolidação dos mecanismos de mercado. Incluem-se, neste quadro, a criação de empresas mistas de interesse estratégico, tais como a CST e a ENCO, de instituições de regulação como a agência de regulação das telecomunicações (AGER), da Agência Nacional de Petróleo, a criação do Tribunal de Contas, as várias tentativas de restruturação da EMAE, entre outros. Também merecem destaque os vários esforços no sentido da concretização de uma visão para o país, sendo exemplos disso o estudo NLSTP (Estratégia Nacional de longo prazo) elaborado na década de 1990 e a Visão STP 2030: O país que queremos.

Facto é de se constatar que, passados mais de 30 anos de implementação de medidas de reforma económica, a economia continua a deparar-se com fortes condicionalismos, mantendo-se numa situação precária. As medidas implementadas não proporcionaram as mudanças suscetíveis de promover o desenvolvimento do país.

É frequente admitir-se que o fracasso dos programas de estabilização macroeconómica apoiados pelo FMI deve-se ao caracter padronizado das suas receitas, não tendo em consideração as especificidades do contexto em que são aplicadas. Contudo, apesar de admitir que nem todas as medidas propostas eram adequadas às especificidades do desenvolvimento da nossa economia, há que reconhecer a fraca apropriação interna de tais programas, que não raras vezes são tidos como uma imposição incontornável para a obtenção de financiamentos externos e não como medidas necessárias para colocar o país na senda do crescimento. Além disso, a fragilidade das nossas instituições também não terá favorecido a sua correta aplicação. Recorde-se que os programas de estabilização macroeconómica foram por diversas vezes suspensos unilateralmente pelo FMI, face às dificuldades dos governos em implementar certas medidas, sendo retomados posteriormente, muitas vezes já com um novo governo em funções (em face da instabilidade política vivida no país) e com níveis de condicionalidade mais apertados.

Mencionámos, a título de exemplo, a situação ocorrida em 2004 quando o programa de redução da pobreza e crescimento (PRGF) para o período 2003-2006 foi suspenso devido à relutância do IX Governo em implementar as medidas acordadas, em particular as relativas à contenção da massa salarial (devido às greves da Função Pública), só tendo sido retomado meses depois, em finais de 2005, já com um novo Governo, após este ter conseguido encontrar uma solução que, dentro das condicionalidades do programa, colhesse também o consentimento dos sindicatos grevistas.

Situação semelhante terá acontecido inúmeras vezes, sendo a mais recente em finais de 2018 quando o programa FCA (Extended Credit Facility) negociado para o período 2016-2018 foi suspenso por falta de cumprimento das metas macroeconómicas acordadas. Na sequência, um novo programa foi renegociado e assinado para o período 2019-2021. Constata-se que a cada vez que um programa é suspenso, um novo é renegociado em condições socioeconómicas mais agravadas, determinando medidas mais restritivas. Por conseguinte, os atrasos e adiamentos verificados na implementação de medidas económicas terão comprometido os resultados de reformas importantes e necessárias e causaram sérios danos à credibilidade e à confiança na economia. De acordo com Rodjid et al. (2013), atrasar as reformas ou implementá-las de forma muito lenta só causam mais danos à economia porque a falta de resultados afeta a credibilidade e a confiança.

Considero, no entanto, ser importante reconhecer-se que nem tudo o que foi feito ao longo deste período foi mau. Contudo, a falta de coerência e de continuidade na execução de planos, projetos e programas levaram, muitas vezes, ao desperdício de recursos e de esforços de muitos quadros nacionais. Neste âmbito enquadram-se os esforços para a melhoria do desempenho macroeconómico entre desenvolvidos entre 1999 e 2007 que terão conduzido ao perdão de cerca de 80% da dívida externa no âmbito do programa HIPC. Não obstante, um olhar atento sobre o percurso económico de São Tomé e Príncipe sugere que não foram criadas as condições básicas necessárias à promoção do desenvolvimento económico e social.

Refletindo a elevada dependência e vulnerabilidade face a conjuntura externa e, sobretudo devido a ausência de políticas públicas destinadas ao aumento da base produtiva e à criação de um ambiente atrativo e inclusivo de negócios, o crescimento económico de São Tomé e Príncipe tem sido insuficiente e muito volátil. O crescimento médio anual das duas últimas décadas estimado em 4,5% tem-se revelado manifestamente insuficiente para atender as necessidades socioeconómicas. Como se não bastasse, a partir de 2015 a atividade económica começa a dar sinais de desaceleração, revelando a insustentabilidade de um crescimento suportado por investimento público, com o PIB real a cair, paulatinamente, de 4% em 2015 até atingir níveis de 1,3% em 2019, o seu menor crescimento desde a década de 1990. A pandemia da covid-19 vem agravar ainda mais a situação, estimando-se, para 2020, uma contração da economia na ordem dos 6%. O PIB per capita, depois do seu nível ter regredido no pós-independência, registou um nível de crescimento de 0,5%, em média, nos últimos 10 anos (Banco Mundial) o que é, manifestamente insuficiente face a uma taxa de crescimento populacional de 2% ao ano no mesmo período.

Com efeito, a estratégia de desenvolvimento que priorizou o setor agrícola como motor de crescimento não resultou numa maior dinamização deste setor, apesar da segunda reforma agrária ocorrida na década de 1990. O declínio da produção agrícola, iniciado ainda no período colonial, prosseguiu o seu ritmo, com a produção do cacau, principal produto de exportação, a cair de 11% do PIB na década de 1980 para níveis inferiores a 5% atualmente (FMI). O cultivo da baunilha e da pimenta e os nichos de cacau biológico, que parecem gerar algum entusiasmo, não conseguiram travar o declínio das exportações agrícolas. A pesca mantém-se, maioritariamente, artesanal e de subsistência e, raramente, semi-industrial, não obstante a extensa área marítima e o potencial oferecido pela chamada “economia azul” continua inexplorado. 

O turismo é o motor de desenvolvimento de muitas pequenas ilhas, por estas serem consideradas como lugares atraentes para efeitos de recreação e turismo, porquanto o clima favorável, as belezas naturais e a imagem de exotismo favorecem a sua prática (Butler, 1993). Por conseguinte, nas ilhas onde é feita maior aposta nos serviços turísticos e que conseguiram criar algum tipo de clusters económicos do mar, sol e praia, têm oferecido melhores oportunidades de desenvolvimento, em termos de criação de emprego e crescimento. Porém, tal como afirmou o ministro do turismo de Seychelles “Não basta ter hotéis de 5 estrelas, as ilhas têm que ser 5 estrelas”, tornando-se necessário investir na preservação e saneamento do meio ambiente, na segurança, na saúde, na qualificação de recursos humanos, entre muitos outros aspetos. São Tomé e Príncipe levou décadas para começar a despertar-se face ao potencial oferecido por este capital natural e o turismo mantém uma contribuição ainda insignificante na economia nacional, estando o país, ainda, longe de se tornar numa economia dependente do turismo, situação que se vê agravada com a pandemia da Covid-19.

O setor terciário domina, largamente, a economia (mais de 70% do PIB), mas esta posição explica-se, essencialmente, pela importância da administração pública (23% do PIB) e, em menor medida, pela expansão do comércio e dos transportes.

Após um rápido crescimento do número de instituições bancárias e do valor do crédito à economia, ocorridos a partir da década de 2000 e alimentados pela expetativa da produção de petróleo, surgiram vulnerabilidades no setor bancário que exigiram intervenção do Banco Central e o consequente redimensionamento do sistema, com o número de bancos a passar de 8 em 2012 para os 5 atuais. Além disso, o setor bancário sofre dos efeitos de condições financeiras difíceis decorrentes dos elevados custos operacionais num pequeno mercado e do elevado nível do crédito malparado.

Passados mais de três décadas de implementação de medidas de estabilização macroeconómica, as contas fiscais apresentam, apenas, ligeiras melhorias ocasionais. A política orçamental, caracterizada por défices crónicos, não é suscetível de proporcionar a estabilidade e a previsibilidade macroeconómicas no longo prazo, necessárias à criação da confiança na economia. No seu relatório de avaliação, o Banco Mundial (2017) destaca o facto de os défices fiscais e a política orçamental imprudente serem regra e não a exceção em São Tomé e Príncipe. Os défices resultam, principalmente, de receitas baixas e decrescentes, uma vez que as despesas correntes não são, especialmente, elevadas e foram mantidas sob controlo O País está aquém dos níveis de arrecadação tributária de países similares e, nos últimos três anos, a escassez de financiamento externo tem condicionado a capacidade de concretização de investimentos públicos, colocando mais pressão na gestão das finanças públicas (Banco Mundial). Sublinha o mesmo relatório que, quando persistentes como no caso de São Tomé e Príncipe, os défices fiscais são o resultado de problemas estruturais e não de natureza cíclica. Acrescenta ainda o relatório que a rigidez nas despesas, a dependência contínua de doações imprevisíveis e em declínio e o controlo insuficiente das empresas públicas agravam ainda mais os problemas.

A situação das finanças públicas torna-se mais complicada devido à ausência da prática de elaboração de um quadro fiscal numa perspetiva plurianual, capaz de permitir ao país ter uma perspetiva de médio prazo, detetar desvios orçamentais face aos objetivos estabelecidos, identificar riscos potenciais numa fase inicial e, se necessário, tomar medidas corretivas adequadas. Constata-se que, em caso de pressões sobre a receita, as despesas de investimento são normalmente sacrificadas, penalizando este importante fator de crescimento.

São Tomé e Príncipe, à semelhança de vários países em desenvolvimento, conseguiu notável desempenho em matéria de controlo da inflação, fruto da ancoragem da Dobra ao Euro, mas não conseguiu alavancar o crescimento económico. Isto porque não foi capaz de implementar as políticas e reformas estruturais de suporte ao relançamento do crescimento, ignorando a interdependência entre estas. Autores como Stiglitz (1999), Ocampo (2005), Spiegel (2007), entre outros, enfatizam a necessidade de uma política macroeconómica focada na estabilidade macroeconómica real e não, apenas, na estabilidade de preços, com o objetivo mais importante de atrair investidores e alcançar o desenvolvimento sustentável. Esta perspetiva é baseada numa visão que favorece a necessidade de ampliar os objetivos da política macroeconómica e desenvolver instrumentos complementares além das políticas orçamental e monetária (em particular, a política fiscal de incentivos a investimentos privados, a gestão do saldo das operações de capital, regulamentos e reformas do mercado microeconómico), advogando a favor de um equilíbrio entre o papel do Estado e do setor privado, o chamado “novo-desenvolvimentismo”.

No caso de São Tomé e Príncipe, a ancoragem da Dobra ao Euro permitiu a estabilização nominal da economia, tendo reduzido a inflação para níveis bastante aceitáveis (de 27% em 2008 para 9% em 2019, em termos acumulados no fim de período), mas faltam outras políticas para permitir o take off económico. Rostow (1960), por exemplo, destaca a necessidade do surgimento de um sector de vanguarda “leading sector”, capaz de assegurar um crescimento económico sustentável, um aumento significativo da taxa de investimento, bem como um enquadramento institucional, social e político de suporte ao processo de crescimento. Vários relatórios produzidos por organismos internacionais sobre São Tomé e Príncipe (de que são exemplos os do BAD, 2013; PNUD, Banco Mundial, 2017) enfatizam o impacto negativo na atividade económica decorrente da fraqueza do ambiente de negócios, da fraca conectividade do País, de infraestruturas de baixa qualidade, em especial, as portuárias e de energia e limitações em recursos humanos qualificados. Pode-se depreender que São Tomé e Príncipe deu atenção exclusiva à estabilidade de preços e negligenciou todos os outros importantes fatores de crescimento económico.

O desemprego é elevado, situando-se em 13,5% em 2017 (INE-STP), com maior incidência nos jovens e nas mulheres. Boa parte dos trabalhadores tem vínculos laborais precários e o desemprego jovem continua a constituir um grande flagelo social. Estima-se que a incidência da pobreza seja de 66,7%, com mais de 34% da população a viver com menos de US$1,9 por dia (Banco Mundial). Um relatório da Unicef (2016) indica que mais de 70% das crianças são-tomenses são pobres e apresentam maior vulnerabilidade relativamente à situação da proteção social.

É olhando para todo este contexto que o Banco Mundial considera que o modelo de desenvolvimento de São Tomé e Príncipe é próximo do modelo MIRAB (Migração – Remessa – Ajuda – Burocracia), combinando uma grande dependência da Ajuda Pública ao Desenvolvimento e da burocracia com uma componente de migração e remessas relativamente fracas, modelo cuja sustentabilidade permanece uma questão em aberto, simplesmente porque, no longo prazo, as remessas da diáspora podem sofrer uma queda e a ajuda externa pode diminuir (Bertram, 2006).

Efetivamente, São Tomé e Príncipe depende, fortemente, da Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD) que financia mais de 90% das despesas de investimento. O recurso à ajuda externa tem sido privilegiado pelos sucessivos governos, não como instrumento subsidiário e transitório de apoio ao desenvolvimento, mas como meio normal de funcionamento do Estado, apesar da notável tendência de diminuição destes fluxos.   

Quando comparado com outras ilhas do continente africano, São Tomé e Príncipe apresenta um desempenho preocupante e chamo a atenção para o gráfico seguinte.

Gráfico: Evolução PIB per capita, STP e outras pequenas ilhas africanas

Fazemos referência à evolução do PIB per capita por ser o indicador mais apropriado para medir a produtividade e o nível de produção de um país, constituindo o ponto de partida para qualquer estratégia de desenvolvimento. Além disso, inúmeros estudos académicos encontram uma relação direta entre o PIB per capita e a qualidade da governação.

Quando comparamos este desempenho económico de STP com o de países similares, a pergunta que se nos coloca é: por que razão outras pequenas ilhas conseguiram crescer de forma sustentável e STP não consegue? O que tem falhado do nosso lado?

Penso que estamos diante de um desempenho económico e social que não dignifica os dirigentes (seja do passado como do presente), nenhum quadro nacional e afeta a perceção que os outros têm de nós, os são-tomenses e, que, muitas vezes, passa-nos despercebida. Ora vejamos, apenas, um exemplo:

Vivendo há vinte anos, quase exclusivamente, da ajuda internacional, São Tomé e Príncipe foi incapaz, até ao momento, de criar mais-valias sociais de forma a gerar sinergias que possibilitem a mobilização à volta de objetivos que atenuem o “fatalismo” do subdesenvolvimento. Constata-se em São Tomé e Príncipe a existência daquilo que poderemos designar por “cultura da dependência” que acentua a inexistência de um objetivo de mudança em termos de ideal coletivo” (Romana, 1997, p.137).

Penso que o que está em causa é a nossa capacidade coletiva, ou melhor, a nossa incapacidade coletiva de colocar este país no caminho do desenvolvimento, o que deve nos compelir a todos a uma mudança de atitude.

É certo que o desenvolvimento é um processo complexo, multidimensional e não pacífico. É um processo permanente de conflitos entre novos e velhos processos, mas, no final, o saldo tem de ser positivo a favor do desenvolvimento. O tal processo de destruição criativa de Schumpeter (1942).

Admito que em São Tomé e Príncipe assiste-se àquilo a que Jeffrey Sachs apelidou de “armadilha da pobreza”. No entender deste autor, a armadilha da pobreza acontece quando a pobreza material se transforma em pobreza de espírito, de valores, de comportamento. De acordo com Sachs, quando as pessoas chegam a este ponto, muito dificilmente conseguem sair sozinhas. Tornam-se necessárias políticas muito acertadas e inclusivas e a combinação de medidas de curto prazo para atenuar a situação com políticas e reformas estruturais de longo alcance para desbloquear o potencial de crescimento.

Tanto os problemas enfrentados por STP como os erros cometidos, alguns de forma recorrente, não são fenómenos novos, pois já estão sobejamente tratados na literatura sobre o desenvolvimento. Por exemplo, Dornbush & Fischer (1978), Ocampo (2005), entre muitos outros, destacam a importância de um quadro de estabilidade macroeconómica no crescimento económico sustentável, alertando que o expansionismo fiscal não leva a prosperidade sustentada. Stiglitz (1999), Spiegel (2007), entre outros, alertam que na definição de políticas macroeconómicas numa economia como a de São Tomé e Príncipe, atenção particular deve ser dada à atração de investimentos de longo prazo. Acemoglu & Robinson (2013), Bresser-Pereira (2007), entre muitos outros autores, afirmam que a ajuda pública ao desenvolvimento não conduz ao desenvolvimento sustentável, pelo contrário, cria dependência e inércia, aumentando a vulnerabilidade dos países que enveredarem por esta via. Por seu lado, Briguglio (2008, 2009) afirma que as ilhas mais prósperas são aquelas que tiveram estabilidade política e liderança visionária, apostaram na formação para a competitividade, na meritocracia e numa governança orientada para resultados e, a seu tempo, aproveitaram as suas vantagens comparativas.

Tal como afirma Sachs, as economias não se desenvolvem simplesmente porque existem. São Tomé e Príncipe precisa, definitivamente, de mudar de paradigma de desenvolvimento, explorar com altivez as vantagens comparativas que, ainda, jogam a seu favor, mobilizando sinergias e capacidades técnicas (nacionais e estrangeiras) em torno de uma visão de desenvolvimento verdadeiramente assumida pelos nacionais. Os governantes precisam abrir-se para a sociedade e explicar de forma clara, objetiva e transparente que rumo dar a economia e deixarem de impor ao país as suas ideias, muitas vezes, já obsoletas.

A propósito das vantagens comparativas, há várias décadas que temos falado de São Tomé e Príncipe como plataforma de prestação de serviços (portuários, aeroportuários, financeiros, turismo, entre outros), enquanto opção de viabilização económica destas ilhas e, até à presente data, pouco ou nada, de concreto, foi feito para dar corpo a esta ideia. No entanto, durante este período, o contexto internacional e sub-regional mudou e as tendências mais recentes parecem pouco favoráveis à afirmação de um micro Estado, a menos que este aposte em setores emergentes como a nova economia. Ora vejamos:

Com a relativa estabilização política e económica dos países da sub-região e a ambição de se afirmarem como players sub-regionais, afigura-se razoável pensar que essa afirmação passe, também, por se tornarem, eles próprios, plataformas de prestação de serviços, o que consubstancia um esvaziamento da vantagem comparativa de São Tomé e Príncipe. São exemplos disso, o projeto de construção de um porto em águas profundas em São Tomé e Príncipe, cuja oportunidade, a julgar pelas informações públicas, poderá ter sido ultrapassada com a construção de portos semelhantes em países vizinhos tais como a Guiné Equatorial e os Camarões.

Muitas pequenas ilhas desenvolveram-se muito à custa de regimes fiscais especiais, mas a concretização de um projeto desta natureza encontra-se cada vez mais comprometida devido à crescente condenação internacional dos paraísos fiscais e o endurecimento das legislações internacionais de combate à evasão fiscal. Além disso, as novas tecnologias, em particular, as relativas às moedas digitais, já oferecem oportunidades de aplicação inovadoras que poderão esvaziar, no futuro, a importância dos paraísos fiscais, no que concerne ao secretismo das operações.

Por seu lado, a Covid-19 demonstrou o quão vulnerável é o turismo e a fragilidade de uma economia dele dependente. Preocupação semelhante se aplica às perspetivas de exploração do petróleo de que se tem falado há mais de duas décadas. Até quando as energias fósseis continuarão a ser as principais fontes energéticas, quando muitos países avançados começam a implementar estratégias de descarbonização das suas economias e crescimento sustentável de baixo carbono?

Em suma, questiona-se até que ponto continuam a ser válidas as vantagens comparativas de São Tomé e Príncipe como hub de prestação de serviços na sub-região África Central, perante as transformações geopolíticas e geoeconómicas ocorridas nas últimas décadas? Na eventualidade de uma resposta negativa, que vetores poder-se-ia mobilizar para sustentar uma nova visão estratégica para a viabilização destas ilhas no contexto sub-regional? Convido os são-tomenses a, juntos, fazermos esta reflexão.