A Execução de Multas nos Processos Eleitorais em São Tomé e Príncipe Vs Uma Analise à Prestação de Contas Eleitoral, a Luz do Acórdão nº 8 / 2022 do Tribunal Constitucional

Jhunior Ceita

Num segundo cenário, porém, em que o TC volta atrás e (ou) esta decisão simplesmente não for executada coercivamente, teremos, efetivamente um TC mais fragilizado, o que constituiria uma ferida que poderia conduzir a mais dúvidas quanto a sua capacidade de lidar com processos eleitorais e de através destes promover a transparência e justiça eleitoral.

I. Na sequência das eleições presidenciais de 2021 e no âmbito das suas competências constitucionais, legais, o Tribunal Constitucional de São Tomé e Príncipe (TC) através do do Acordão Nº.8/2022, datado de 18 de Maio de 22 e cujo relator terá sido o Juiz Amaro Pereira de Couto, aplicou aos 19 candidatos uma “MULTA” (Sanção Pecuniária) no valor de 375000.00 Novas Dobras (15 mil euros), em virtude do não cumprimento por parte destes da apresentação dos respectivos relatórios de contas da campanha, conforme legalmente estipulado.

Embora despiciendo, nota-se que dos 5 Juizes que compõem o TC, dois deles, inclusive o relator, fizeram declaração de voto vencido, interessantemente, por motivos distintos, a saber: o relator do acordão discorda dos seus pares em relação ao valor da sanção aplicada, entendendo que esta deveria ser uma pena mínima, considerando atenuantes; o Juiz Jesuley Patrick Novais Lopes, entende que, de alguma forma, caberia ao Ministerio Publico uma tal responsabilidade e não já ao TC, o que não terá alterado em nada a força da decisão, uma vez que a LOTC (Lei Orgânica do TC) determina que as decisões deste Órgão são tomadas por maioria dos seus membros.

A analise neste trabalho foca-se, dentre outros, nos seguintes pontos: A competência processual do TC nesta matéria. A natureza da sanção aplicada, sua pertinência, e em que vestes, que natureza, assume o TC na situação em apreço. O que deverá acontecer no caso de incumprimento desta pioneira decisão do TC para que se apure que mecanismos devem ser ativados para que se verifique e se garanta o seu cumprimento efetivo? Para onde legalmente irão os valores em apreço? O que deverá acontecer aos incumpridores da decisão do TC? E, por último, e talvez a mais importante questão é a de saber, em que medida a aplicação de uma tal sanção nos moldes em que foi aplicada pelo TC terá impactos presentes e futuros para a instituição sancionadora, isto é, para o TC e sua credibilidade? Embora seja a última a que nos propomos responder, esta questão goza de uma importancia extra nesta análise.

II. Começando então pela competência e o âmbito da aplicação da sanção em causa por parte do TC. Nesta matéria, é preciso entender que a aplicação da “MULTA” (medida sancionatória de natureza pecuniária) aplicada aos Ex-candidatos às Presidenciais em STP, tem respaldo na LE (Lei Eleitoral), na sua substância, bem como na LOTC da RDSTP, no que diz respeito a sua parte adjetiva, isto é, processual.

Deve-se entender que por força das leis em vigor no país, quando se trata de processos eleitorais, em STP, o TC é o único Tribunal com competência, em razão da matéria, seja na declaração dos resultados eleitorais, seja no dirimir dos conflitos que deles surgirem, incluindo-se, aqui, a questão da verificação de apresentação dos relatórios de contas das respetivas candidaturas por parte daqueles que nelas tomam parte de forma activa ou a ausencia desta apresentação, caso em que deverá conhecer desta ilegalidade e, de acordo com a lei em vigor, aplicar sanções de natureza pecuniária.

Deste modo, as competências do TC, se fundamentam na LOTC, bem como na LE (Lei Eleitoral), Lei n.º 06/2021, de 15 de Fevereiro de 2021 , mormente, os Artigos 100.º, 101.º, 102.º, 103.º, bem como no disposto nos artigos 184º, e 185.º, todos devendo ser lidos tendo em conta a Lei n.° 09/04, isto é, a Lei de Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais, que dá sustento e enquadramento.

Fica assim tacitamente entendida a aplicação, por parte do TC, da “multa” aos concorrentes numa situação de incumprimento legal, seja àqueles que por razões diversas não terão apresentado as contas, àqueles que tendo apresentado pecaram por irregularidades ou àqueles que tardiamente terão apresentado, o que, de uma forma geral, se remonta a todos eles, ou seja, todos os 19 candidatos, incluindo o atual Presidente da República. Está assim em completo acordo com a Lei em Vigor no país nesta matéria a decisão do TC, tanto em relação ao órgão decisor como em relação aos valores da sanção aplicada, uma vez que nos termos do artigo 185 da LE que “As candidaturas e os candidatos que infringem o n.º 1 do artigo 102.º, são punidos com multa de Dbs:70.000,00 (Setenta mil dobras) a Dbs:750.000,00 (Setecentas e cinquenta mil dobras)”, dando assim ao TC um teto mínimo e um maximo dentre o qual deverá, sempre que entender haver incumprimentos dos ditames legais nesta matéria, aplicar uma sanção que, no caso concreto, julgue mais adequada.

Até aqui, não abordamos as questões de mérito nem de pertinência decisória (algo que faremos a seguir) mas apenas e só as questões de competência e de legalidade da matéria.

III. Propomo-nos igualmente falar, em breve trecho, do processo em si, ou melhor, a forma como se tramitou todo o processo que culminou na aplicação da sanção. Nesta vertente temos a registar que, tratando-se de um processo desta natureza (em que estavam envolvidos 19 candidatos de forma individual), não se entende os motivos que levaram o TC a decidir pela colectivização. Expliquemos: em causa estão 19 ex-candidatos, com circunstâncias diferentes e que terão concorrido desta forma as eleições e portanto independentes uns dos outros, em tudo.

Assim, entendemos que, nesta situação, os processos deveriam gozar de natureza individual, ou seja, o TC, deveria instruir 19 processos diferentes com diferentes relatores. E seguindo tudo o que a Lei Processual nesta situação estabelece como norma a seguir em sede de todos e quaisquer processos desta natureza (natureza sancionatória). Neste caso, se questiona, a situação de estarmos ou não perante um verdadeiro processo judicial ou, ao invés, um de natureza administrativa (culminando sempre com um acto administrativo), com as suas diferentes implicações, ainda assim, julgamos que cada um deles deveria gozar de uma instrução autónoma e particular e serem estes individualmente considerados e nunca de forma colectiva.

IV. Quanto a questão do mérito da decisão do TC nesta matéria, julgamos ser uma questão subjetiva tanto doutrinal como legalmente, pois, esta matéria está relacionada com uma outra questão subjacente, a saber: o que deverá acontecer a seguir a esta decisão, isto é, quais deverão ser os próximos passos depois de uma tal decisão?

Ora, a partir do momento em que, através de uma decisão, o Acórdão nº 8/2022, o TC deverá, e cremos que já o terá feito, notificar as partes para que, cumprindo, como diz o próprio acórdão, proceder ao cumprimento da mesma, neste caso proceder ao pagamento dos valores a que foram condenados todos em igual valor, tendo dado 8 dias para o efeito. Entendemos que esta questão de 8 dias é mais complexa do que aparentemente parece, pois, neste momento, há questões muito mais profundas a serem consideradas uma vez que diversas áreas do direito, bem como diversas instituições, aqui se encontram e deverão ser chamadas a resolução, pelo que julgamos que o TC devia ter regulamentado os seus processos, em observação ao princípio da Previsibilidade Jurídica e combate a imprevisibilidade e proliferação de diversas interpretações, apriori, por via de um despacho.

Uma das questões prévias, prende-se com a própria natureza juridica da sanção aplicada pelo TC com respaldo na LE, bem assim como a de saber que natureza jurídico-institucional assume o TC de STP quando age nas vestes do Tribunal Eleitoral aquando da aplicação de sanções pecuniárias, como é o caso em análise. Entendemos que, tanto a natureza jurídica da sanção pecuniária aplicada, bem como as vestes em que o próprio TC assume institucionalmente fazer Justiça Eleitoral não é de todo indiscutivel.

Se não, vejamos:

Uma leitura axiológico-valorativa seguida de perto pelo melhor entendimento da hermenêutica jurídica da LE em vigor em STP, parece atribuir ao TC em matéria eleitorial duas funções distintas, uma de instância judicial eleitoral, a única e por excelência, quando, no âmbito da legislação esta atribui competências a este para dirimir conflitos levantados pelas partes que tomam parte nas eleições, seja entre si ou entre estes e as instituições do Estado ou privadas que, no âmbito das eleições entendam ter violado as leis (caso em que há realmente um processo com 3 partes, clássicas de um processo judicial) e outra, como a instância Administrativa Suprema em matéria de regulação e garantia das eleições e dos seus procedimentos dependentes nos quais se inclui a obrigatoriedade de “apresentação” de relatório de contas por parte das candidaturas ou partidos políticos ou mesmo movimentos de cidadãos participantes das eleições.

Escolhemos deliberadamente a palavra “apresentação” de contas e não ja, como refere o Artigo 103.º, da LE “prestação e apreciação das contas”, porque no nosso entender, não cabe ao tribunal, em matéria de mérito, apreciar as contas das campanhas eleitorais de modo material, uma vez que tal matéria envolveria investigações profundas das fontes e das suas legalidades que são hoje em dia matérias de alta complexidade, não só porque não terá recursos para fazê-lo, como também por não parecer ser a intenção do legislador eleitoral dotar o TC de competências nem vocação para tal.

Entendemos assim que aquilo a que se refere o artigo 103º da LE é mais uma apresentação de Relatórios de Contas a qual o TC deverá, dentro das suas competências como órgão máximo da Administração Eleitoral, proceder a simples valoração formal, exclusivamente, tendo em conta as regras básicas de elaboração de relatórios de contas em vigor no país.

Por conseguinte, entendemos nós, que caso haja suspeição sobre eventuais crimes como branqueamento de capitais e facilitação de financiamento ao terrorismo, bem como outros crimes económicos e financeiros, perseguidos tanto por normas nacionais como internacionais, deverá avançar tais suspeitas para o Ministério Público, para que este, no âmbito das suas competências, proceder a uma investigação, devendo correr seus termos em instanciais judiciais próprias, os Tribunais comuns de natureza criminal.

Portanto, julgamos deixar claro que o TC em STP, ao nosso ver, pode agir tanto como tribunal “tout court” (quando estivermos perante um processo em sentido próprio da palavra, envolvendo partes, inclusive com impulso externo que é necessariamente caracteristico da nossa ordem jurídica) ou simplesmente nas vestes do máximo órgão administrativo eleitoral (caso em que as suas decisões ganham a forma típica de um acto administrativo, cuja uma das caracteristicas principais, como se sabe, é a unilateralidade e portanto a “desnecessidade” de um impulso processual externo, como quando este aplica uma sanção de natureza pecuniária de forma unilateral). Sendo do nosso entender que, neste caso concreto, a aplicação desta sanção de natureza pecuniária unilateral, o TC agira nas vestes do órgão administrativo eleitoral e não já como tribunal tout court.

Ora, isto leva-nos a outra importante questão de natureza jurídico-legal que aqui é mister responder, a saber: qual a natureza jurídica daquela sanção pecuniária aplicada pelo TC aos candidatos?

Levando em consideração os argumentos anteriormente apresentados, temos que, em primeiro lugar, tentar entender que há uma diferença juridica substancial entre uma sanção de natureza pecuniária de natureza penal e uma sanção pecuniária de natureza administrativa. No primeiro caso, estaríamos perante uma pena de “MULTA” que é a sanção pecuniária aplicada como consequência de um processo criminal na ordem jurídica são-tomense. E, no segundo caso, estaremos perante uma “COIMA”, que é a sanção pecuniária para contra-ordenações, isto é, para violações de normas de natureza administrativa, tendo como um dos critérios a gravidade da violação e não a culpabilidade própria dos processos criminais.

Embora a LE faça referência a multa, ela não usa este instituto no sentido jurídico-legal, isto é, o legislador não a pensou no sentido de atribui-lo uma natureza de sanção penal. Na verdade, no nosso entender ela deve ser entendida como uma sanção de natureza administrativa, como uma coima, a lógica leva-nos facilmente a esta conclusão.

Vejamos:

Na nossa ordem jurídica uma multa é um instituto de natureza jurídico-penal e assim entendida, é uma sanção pecuniária, apenas aplicada no âmbito de um processo criminal e não de qualquer outra natureza. O TC não tem compêtencias em materia penal, nem uma pena deverá ser aplicada sem que, antes disso, haja um processo de natureza criminal.

No caso de um processo de natureza criminal a parte sob a qual recaí a suspeita da prática de crime, em que se ache matéria para acusação, deverá ser devidamente constituida arguida e apresentada ao tribunal onde deverá se fazer representar em defesa, por si ou por meio de mandatários. O TC não goza nem de competência em abstrato para o fazer, nem em concreto o fez no caso em apreço ao aplicar a sanção pecuniária.

Isso naturalmente nos leva a conclusão simples e necessária de que aquela não passa de uma simples coima em sentido material embora multa em sentido formal por imperativo legal. Assim, constitui o nosso melhor entendimento que, posto de forma simples, quando a lei neste caso se refere a MULTA, ela na verdade quer referir-se a COIMA, motivo pelo qual o TC pode e está autorizado a aplicar tais sançõess de forma unilateral sem que haja um processo de natureza penal, onde reina uma estrutura de natureza acusatória e não já inquisitória, para o qual, aliás, o TC não teria competência na nossa ordem jurídica.

Portanto fica aqui registado que, quanto a natureza juridica da sanção pecuniária aplicada pelo TC e a que a Lei se refere formalmente como sendo “MULTA” a ser aplicada pelo TC aos 19 candidatos, ela não deverá passar de uma sanção de natureza administrativa pelo que, neste caso, o TC deverá ser visto como órgão superior da administração eleitoral em STP e não já como um tribunal tout court, sob pena de aceitarmos, em consequência, tacitamente, o descaraterizar do sistema penal constitucionalmente instituido e em vigor em São Tomé e Príncipe

Há, porém, sempre a possibilidade de outros entendimentos a que podemos chamar ortodoxos, a saber, o de que estamos, quanto a instituição sancionadora, perante um tribunal tout court e, quanto a sanção, perante uma verdadeira pena de multa. Não afastando de todo esta hipótese, temos aqui que deixar algumas interrogações. Se estamos parente um verdeiro tribunal e sabendo que no nosso sistema judicial e processual, os tribunais são entendidos como órgãos passivos, sempre necessitando um impulso externo para só depois agir (recorde-se que no nosso sistema os processos, sejam eles cíveis sejam eles criminais, são sempre processos entre as partes, tendo os Tribunais como a instituição imparcial e acima daquelas, e não já desempenhando uma papel activo ao ponto de, por si, dar início aos processos) e não já como parte activa nos processos. Como se explica a ação do TC sem que para isso houvesse um impulso externo de pelo menos o Ministério Público para dar início ao processo? Se for este o entendimento (quanto a nós equivocado), teremos de, em última instância, avançar com os mesmos argumentos da declaração de voto do Juiz Jesuley Patrick Novais Lopes quando entende que, de alguma forma, caberia ao Ministerio Publico uma tal responsabilidade e não já ao TC, pelo menos no que se refere ao impulso processual.

Nesta mesma perspectiva, quanto a natureza jurídica da sanção aplicada, para os que entendem que se trata de uma pena de multa tout court, temos aqui um problema grave de inconstitucionalidade organica e funcional e, porque não?, especularmos com a possibilidade eventual do MP avançar com um pedido de fiscalização abstrata sucessiva de inconstitucionalidade desta norma uma vez que o TC nunca deverá gozar de uma competência exclusiva do Ministério Público (quanto ao impulso processual) e dos Tribunais comuns com competência criminal (quanto ao julgamento e condenação). Em todo o caso, teremos aqui um belo caso de direito constitucional para responder e com argumentos simples a nosso ver.

V. Tendo este entendimento da natureza jurídica da sanção aplicada, considerando que estamos perante uma coima e não uma pena de multa, a questão seguinte deverá ser: o que acontecerá com os que não pagarem ou os que não pagaram dentro do prazo legal que tinham para fazê-lo? Esta questão é a mais complicada uma vez que, pela realidade económica do país e olhando aos perfis dos 19 candidatos, o valor de 15 mil euros é um valor avultado, pelo que temos de pensar na possibilidade do não pagamento nos prazos legais implicados.

Uma vez que adoptamos a perspectiva de que estamos perante uma sanção pecuniária de natureza administrativa, isto é, uma coima, o decurso do prazo não faz caso julgado, mas sim, caso decidido. É importante notar que diferentemente do caso julgado, “caso decidido” é aquele em que a definição do direito a aplicar à relação jurídica administrativa, não é passível de reapreciação por via administrativa ou contenciosa. Este instituto mais doutrinal é baseado no princípio de defesa da segurança jurídica que tem entendido que existem situações jurídico-administrativas que merecem uma tutela semelhante ao caso julgado. A situação em que nos encontramos orgânica, funcional e materialmente, implica o entendimento necessário de que decorrido o prazo legal, a decisão do TC deverá ser um caso decidido uma vez que não é possível recorrer dela, o TC, nesta matéria, este existe como o único e o último reduto de análise.

Por conseguinte, diversas dúvidas quanto à forma de pagamento, bem como quanto à forma de execução, nos casos de inadimplemento, não apenas em STP mas noutras ordens jurídicas onde este fenómino é mais comum. Deixando de lado toda a discussão, entendemos que após o caso decidido, será o devedor intimado para, no prazo legal, pagar, sob pena de esta lhe ter que ser cobrada de forma compulsória, que neste caso seria o tribunal administrativo ou seja o TC nas vestes do Orgão Superior da Administração Eleitoral em STP.

Em termos de Direito Comparado, na República Federativa do Brasil, por exemplo, onde este fenómeno é realmente muito estudado, o não pagamento a inscrição da multa aplicada em sede de matéria eleitoral passa a fazer parte da dívida ativa do sancionado, isto é, se procede a uma “tributalização” ou se quiser uma “fiscalização” daqueles valores que passará automaticamente a fazer parte da dívida activa do condenado junto das finanças.

Apoiamos a ideia de que deverá, no caso de inadimplemento dos sancionados, ser expedida uma certidão do não pagamento pelo próprio TC, bem como inscrita a multa (coima) eleitoral em livro próprio, remetendo-se tais documentos à PGR (Procuradoria-geral da República) que assim a remeteria para os serviços das finanças, para que proceda à execução da mesma como se de uma dívida fiscal comum em mora se tratasse e com todas as suas consequências.

Embora seja este o nosso entendimento, sabemos que este entendimento não colherá todos, pelo que admitimos haver outros entendimentos.

VI. Quanto a questão que se prende com o saber para onde vai o valor da sancão aplicada, entendemos ser a menos polémica de entre todas uma vez que a própria Lei esclarecede forma clara e objetiva o destino deste valor. O artigo 49.º, da LOTC referente as Receitas Próprias do TC é taxativo “…são receitas próprias do Tribunal Constitucional, dentre outras, o produto de custas e multas por esta aplicada…”.

VII. Muito se tem questionado igualmente sobre a sanção em causa no que se refere ao seu montante e a pertinência quanto a aplicação do mesmo em relação a todos os candidatos e sem que se tivesse em conta as diferentes situações dos sancionados. O argumento por detrás desta preocupação tem a ver com o senso comum baseado na ideia de que o TC deveria ter levado em conta a “culpabilidade” (negligência ou ausência dela, dolo ou não) ou, pelo menos a sua “gravidade. Estaríamos de acordo com os argumentos acima em relação a culpabilidade do agente, caso se entenda que o TC agiu nas vestes de um tribunal tout court. Todavia, caso se entenda que não, a sanção em causa não se constituindo como uma sanção de natureza jurídico-penal, mas apenas e só de natureza administrativa, uma coima (apenas assim podendo ser unilateralmente aplicada pelo TC) a materia da culpabilidade não mais teria lugar aqui mas tão-somente a gravidade da conduta violadora da norma legal.

Deste modo, tomamos parte daqueles que defendem que nao é comprensivel nem justificavel (facilmente) que, no ambito deste processo, se tenha aplicado tanto aos que apresentaram os relatorios de contas a tempo embora irregularmente, aos que apresentaram depois do prazo legal, bem como aqueles que de todo não apresentaram os relatórios, sanção de igual peso e medida.

Na verdade ao aceitar uma tal interpretação da norma feita pelo TC, a própria axiologia da norma seria posta em causa na medida em que a presente interpretação promoveria a não apresentação das contas de forma proposital por parte dos candidatos e/ou partidos politicos ou movimentos de cidadão eleitores que tenham tomado parte nos pleitos, sabendo das origens possivelmente duvidosas dos seus financiamentos, optassem, deliberadamente, por não apresentar suas contas, aceitando assim, o mal menor, ou seja, a sanção pecuniaria, para a qual, provavelmente ja estariam preparados, fugindo assim o espirito da lei que, se sabe, foi sempre a de trazer transparencia nos gastos eleitorais por parte dos seus atores activos.

Assim, escolha não temos que não concordar com os que entendem que a sanção, a ser efetivamente bem aplicada, deveria ser diferenciada e levar em conta o “GRAU DA GRAVIDADE” da violação da norma legal em causa (sendo certo que na analise da gravidade, o factor “tempo” de apresentação e ou a não apresentação teria de desempenhar uma função determinante).

VIII. Talvez a mais importante questão nesta situação, seria a de saber, em que medida a aplicação de uma tal sanção nos moldes em que foi aplicada pelo TC terá impactos presentes e futuros para a instituição sancionadora, isto é, para o TC e sua credibilidade? Embora esta seja a última a que nos propusemos aqui responder, a resposta terá impactos necessários na própria existência deste órgão do Estado inserido no poder judicial, tanto no presente como e principalmente no futuro de forma indelével e permanentemente.

Tememos que esta decisão marcará para sempre o TC como instituição superior da administração eleitoral em STP. É que nunca antes na história de STP houve a aplicação de uma sanção desta natureza, ou de qualquer outra, que resultante de omissão ou apresentação irregular ou tardia dos relatórios de conta das campanhas eleitorais.

Esta sanção marca o início de uma nova era em que teremos de duas, uma: ou o TC, como entender (seguindo o nosso entendimento ou não), faz cumprir as suas decisões, o que implicaria receber o pagamento dos valores voluntariamente por parte dos sancionados (repare que aqui evitamos utilizar o termo “condenação” uma vez que só uma instituição nas vestes de tribunal tout court pode condenar as partes em STP), ou, caso esta primeira situação não se registe, avançar para o cumprimento coercivo da sanção, o que implica, seguindo o nosso entendimento, avançar para o tribunal comum competente em razão da matéria (no caso administrativo), judicializando assim uma decisão puramente administrativa onde as partes poderão ali desafiar a instituição.

Neste caso o TC provará e promoverá que, a partir desta execução efetiva de uma das suas mais marcantes decisões desde a sua existencia, dar início a uma época de transparência e responsabilização nos processos relacionados com as eleições em STP, no futuro, poderemos ter uma boa razão para pensar que qualquer cidadão e ou partido político se organizará melhor antes de se apresentar as eleições, pondo assim um ponto final ao fenómeno de multiplicação e banalização de partidos políticos e candidatos em diversas eleições no país.

Num segundo cenário, porém, em que o TC volta atrás e (ou) esta decisão simplesmente não for executada coercivamente, teremos, efetivamente um TC mais fragilizado, o que constituiria uma ferida que poderia conduzir a mais dúvidas quanto a sua capacidade de lidar com processos eleitorais e de através destes promover a transparência e justiça eleitoral.

IX. Em conclusão, vimos que é no âmbito da sua competência legal que o TC como o Orgão Superior da Administração Eleitoral em STP, terá aplicado uma sanção de natureza pecuniária as partes envolvidas por não apresentação ou apresentação irregular ou extemporânia dos referidos relatórios de contas da campanha. Vimos que após uma análise mais profunda a natureza jurídica da sanção pecuniária em causa, não poderíamos senão defender tratar-se de uma coima em sentido material embora a legislação erroneamente a tenha designado por multa. A nossa conclusão vem na sequência da natureza jurídica distinta das duas figuras de cariz sancionatório e pecuniário, sendo uma aplicada em processos penais e outra por órgãos administrativos, material ou funcionalmente administrativos, sendo aquela aplicada com base num processo penal devidamente tramitado e esta por um acto unilateral da administração (no caso Orgão Superior da Administração Eleitoral em STP) no caso de se verificar uma violação a uma norma legal, desde que haja tal sanção como previsão.

Concluímos igualmente que quanto a cobrança, tendo em conta o nosso entendimento e sobre a natureza jurídica tanto da instituição aplicadora da sanção como a da sanção em si mesmo, vimos que decidido que esteja o caso, e não sendo a dívida liquidada voluntariamente, caberá a este órgão sancionador recorrer aos meios próprios permitidos por lei, isto é, recorrer aos tribunais comuns em instâncias próprias, com vista a coercitivamente fazer cumprir a sanção aplicada. No nosso entendimento, embora haja lacuna legal, defendemos que assim como na República Federativa do Brasil onde este fenómeno está realmente muito estudado, o não pagamento, a inscrição da multa aplicada em sede de matéria eleitoral deveria fazer parte da dívida ativa do sancionado, isto é, dever-se-ia proceder a uma “tributalização” ou se se quiser uma “fiscalização” daqueles valores que passariam automaticamente a fazer parte da dívida activa do condenado junto as finanças e esta instituição por sua vez as deveria considerar, depois da notificação aos devedores, proceder, conforme os diplomas legais em matéria de execução de dívidas fiscais, dando passos concretos no sentido de recuperar tais valores, e a sua reversão para as contas do TC nos termos do artigo 49 da LOTC.

Obviamente incluimos no arsenal dos instrumentos disponíveis aos serviços das finanças (fiscais) o metódo que julgamos dever ser o primeiro a ser utlizado neste caso que seria negociar a liquidação dos montantes a pagar e das formas de pagamento (por via de parcelamento do valor) bem como o prazo e tempo em que tais deverão ser liquidadas junto a estes serviços.

Vimos igualmente que os valores resultantes da aplicação de qualquer sanção pecuniária por parte do TC, nesta e em qualquer outra sede, pertencem em exclusivo a este, concluímos também que os valores aplicados pelo TC como sanção pecuniária não merecem uma análise valorativa penal no sentido em que a aplicação do princípio da igualdade na aplicação destas sanções estava inteiramente na discricionariedade do próprio TC como o Orgão Superior da Administração Eleitoral em STP na aplicação de uma norma de natureza jurídico-administrativa e como tal baseada em simples violação de norma daquela natureza e não já numa valoração axiológica-penal natural de processos criminais tout court onde as sanções são aplicadas de acordo com a culpa e ou negligência do agente.

Entrementes, vimos que era importante que este TC analisasse, no minimo, o grau da gravidade da violação normativa por cada um dos ex-candidatos. Dito de outra forma, sendo que o espírito da lei sempre foi a necessidade de se promover a transparencia, não se entende a aplicação de mesmo valor pecuniario a título de sanção. Na verdade ao aceitar uma tal interpretação da norma feita pelo TC, a própria axiologia seria posta em causa na medida em que promoveria a não apresentação das contas de forma proposital por parte dos candidatos e partidos que, sabendo das origens duvidosas dos seus financiamentos, optassem, deliberadamente, por não apresentar contas, aceitando assim, o mal menor, ou seja, a sanção pecuniaria, para a qual, provavelmente, ja estariam preparados, fugindo assim ao espirito da lei que, se sabe, foi sempre o de trazer transparência nos gastos eleitorais.

Vimos ainda, e finalmente, que, sendo este um processo desta natureza, os processos sancionatorios nunca deveriam ter uma natureza coletiva, os processos deveriam ser individuais, reportando autonomamente 19 processos, cada qual com o seu Relator, na verdade, esta constitui uma exigencia processual.

Em conclusão, do cumprimento ou não desta decisão do TC, teremos um tribunal mais ou menos fragilizado. É este, por enquanto, o nosso melhor parecer quanto a matéria em causa.

 

Dedicado ao Mestre Jonas Gentil, Jurista e Investigador, Ex-Juiz do Tribunal Constitucional de STP, pelo serviço prestado na promoção da Doutrina Jurídica em STP.